O não a Bolsonaro pode significar um indesejável sim ao petismo, alerta o professor Denis Rosenfield em artigo publicado pelo Estadão:
A
sociedade brasileira tem oscilado de um não a outro, sem saber
precisamente o que quer. Disse não ao petismo, sem saber exatamente em
quem ou em que votava. Pesquisas de opinião mostram atualmente outro
não, o não ao atual presidente e ao bolsonarismo, passando, na falta de
opção, a uma escolha por Lula, farta do atual governo e dos seus
descalabros mórbidos. Saímos do antipetismo, para o antibolsonarismo,
sem que se desenhe, por enquanto, o sim a outros valores e princípios. A
sociedade sabe o que não quer, mas não o que quer.
Caberia
à classe política descortinar esse novo horizonte, apresentando novas
ideias, fazendo com que o não se torne um sim que ultrapasse esses dois
tipos de negação, que estão levando o Brasil a um impasse e a um futuro
sombrio. Contudo o navegar nestes mares revoltos está exibindo, até
agora, a ausência de um condutor, de um partido que consiga indicar um
rumo, embora aqui e ali se consigam ouvir algumas vozes alternativas se
desenhando. Mas o que impera é a polarização entre Bolsonaro e Lula numa
rixa que parece não ter fim.
O
antipetismo na eleição do presidente Bolsonaro teve a sua razão de ser.
Os 13 anos do reinado petista terminaram no desalinhamento total do
País, deixando-o com divisões profundas. A corrupção foi o sinal mais
visível, dando força à emergência da Operação Lava Jato, prometendo uma
limpeza das instituições.
O
PT afundou no lamaçal sem saber o que dizer, até ser resgatado pelo
Supremo Tribunal Federal, que, em seu afã de lutar contra excessos dessa
operação, terminou dando carta de cidadania para que Lula surgisse
novamente. O partido, que não tinha mais nem narrativa, ganhou uma, a de
que Lula seria “inocente”, quando as provas contra os governos petistas
foram e são abundantes. O ex-presidente foi literalmente ressuscitado.
Diria que foi um “milagre” jurídico.
Bolsonaro
foi astuto. Soube arvorar a bandeira contra a corrupção, alçou o seu
símbolo, o juiz Sergio Moro, a ministro da Justiça, colocando-se como
seu mais digno representante. Seria um justo a redimir o País. Mas a
realidade, vemos agora, é bem outra. O ex-juiz foi defenestrado, a Lava
Jato foi enterrada com o apoio do presidente e a sua preocupação central
tornou-se defender seus filhos de qualquer acusação. Tanto defender
significa que há algo a esconder.
Lula
pretende, por sua vez, se apresentar como alternativa, procurando fazer
tábula rasa de seus malfeitos. Se é bem verdade que seu primeiro
governo foi muito bom, graças a uma dupla liberal, Antônio Palocci e
Henrique Meirelles, nada mais fazendo do que seguir a herança bendita do
governo Fernando Henrique Cardoso, apesar de o petista esbravejar
esquizofrenicamente contra ela.
O
Lula que o próprio personagem procura resgatar é o de seu primeiro
mandato nas esferas econômica e social, embora lá o esgoto moral já se
fizesse presente. O verdadeiro Lula é o da segunda metade do segundo
mandato e o seu resultado no governo Dilma. O Brasil mergulhou na crise
econômica, fiscal, ética e social, profundamente fraturado e
desesperançado, com as conquistas sociais do primeiro mandato relegadas
às traças. Apesar de não querer dizê-lo, Lula é Dilma.
Bolsonaro,
após receber um governo arrumado do ex-presidente Temer, pronto para
deslanchar, saiu à procura de inimigos imaginários, procurando encontrar
comunistas até debaixo da cama. Em vez de aproveitar a oportunidade que
a sociedade lhe ofereceu, partiu para o aprofundamento das divisões
políticas. O liberalismo anunciando foi morto de morte morrida. Nem se
fala mais de redução dos gastos estatais, de controle do desperdício, da
luta contra a corrupção. Em seu lugar só se fala em aumento de
impostos, com os rigores do disfarce de que não haverá aumento nenhum.
O
tratamento dado à pandemia é macabro. Recusa de vacinas,
tergiversações, apropriação de vacinas de iniciativa alheia (caso da
Coronavac, tomada do governador João Doria), negacionismo, troças contra
o uso de máscaras e, com o seu exemplo, pondo o povo cada vez mais em
risco. Não bastava a pandemia, temos agora o demônio a incentivá-la.
Valores religiosos e morais foram estilhaçados, com o abandono do (e o
ódio ao) próximo. Não é demais lembrar que, até hoje, o presidente não
visitou nenhum hospital, nenhum lar de idosos, nenhum orfanato. Ausência
completa de compaixão! Para fechar a cena atual, temos as “negociações”
da vacina indiana Covaxin, com a corrupção batendo à porta do Palácio
do Planalto.
Não
deixa, porém, de ser algo indesejado que o não ao projeto de Bolsonaro
volte a ser um sim ao petismo, também rechaçado. Se Lula tem alto índice
de intenção de votos, é por ausência de opção. Os seus potenciais
eleitores não são petistas e lulistas, mas tão somente
antibolsonaristas, da mesma forma que nas últimas eleições foram
antipetistas, e não pró-Bolsonaro. Falta um nome e um conjunto de
ideias, valores e princípios que sejam um sim que diga não à polarização
atual.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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