Em uma época de censura do politicamente correto e de medo de ofender grupos organizados de minorias com os fatos, ler Sowell faz-se ainda mais necessário. Rodrigo Constantino (desta vez não puxando o saco do governo Bolsonaro) para a Oeste:
Um
dos meus “gurus intelectuais” sem dúvida é Thomas Sowell, que
ironicamente escreveu excelentes livros sobre os perigos dos
intelectuais. Li vários de seus livros e sempre apreciei seu poder de
síntese, sua originalidade, seu apreço pelos fatos e a busca da verdade,
doa a quem doer. Sowell é um economista cujos principais professores
foram Milton Friedman e George Stigler, da Escola de Chicago, onde
obteve seu doutorado em 1968, e deles absorveu o empirismo e o uso das
ferramentas econômicas para outras áreas. Um liberal clássico, com
algumas visões mais libertárias e outras mais conservadoras, Sowell
completou 91 anos recentemente, e segue produzindo.
Terminei
esses dias o livro Maverick: A Biography of Thomas Sowell, de Jason
Riley, e recomendo muito. Trata-se mais de uma biografia intelectual do
que sobre a vida do grande pensador, o que serve para resumir suas
principais ideias. Não que sua vida não mereça uma biografia à parte ou
mesmo um filme. Merece e seria espetacular mostrar aonde o garoto negro e
pobre chegou, sem nenhum amuleto estatal ou vitimização. Para alguém
nascido durante a Grande Depressão e as leis Jim Crow no Sul, e depois
criado em guetos urbanos, sua trajetória é simplesmente fascinante. “Não
volte aqui e me diga que você não conseguiu porque os brancos eram
maus”, lembraria Sowell depois como “o melhor conselho que eu poderia
ter recebido”.
Mas
é que o pensamento de Sowell talvez seja ainda mais importante e se
sustenta por conta própria. Na verdade, o fato de ser negro acaba
ofuscando isso, pois muitos o associam automaticamente ao debate racial,
do qual ele não teve como fugir e deixou vasta obra, mas acabam
deixando de lado suas contribuições para a Economia.
Sowell
sempre teve os pés no chão, valorizando o bom senso de pessoas
ordinárias, e demonstrando desconfiança em relação a muitos
intelectuais. Seus livros possuem linguagem direta e acessível,
comunicando-se diretamente com o leitor, sem firulas. Dessa forma, ele
ajudou a popularizar conceitos liberais e conservadores, mas nunca foi
por falta de capacidade para o debate acadêmico. Ao contrário: em
algumas obras iniciais ele deu todas as provas de ser um rigoroso
scholar, e foi disputado pelas mais prestigiadas universidades. Mas ele
não queria ser professor a vida toda, insatisfeito com o ambiente tóxico
pela vaidade e pelo esquerdismo, e encontrou no Hoover Institute um
refúgio para se dedicar totalmente às pesquisas voluntárias e seus
livros.
Enquanto
alguns intelectuais deliberadamente escreviam com linguagem confusa e
pedante, a marca registrada de Sowell sempre foi sua clareza. Nunca lhe
faltou coragem também para fazer as perguntas que ninguém mais queria
fazer, especialmente sobre as questões raciais. Em vez de explicar as
causas da pobreza, Sowell estava mais interessado em entender como povos
saíram dela, o estado natural da humanidade. Em vez de demonstrar
obsessão por desigualdades e automaticamente fazer um elo causal delas
com o suposto preconceito racial, Sowell sabia que grupos étnicos não
necessariamente teriam resultados iguais (como quaisquer dois grupos) e
queria entender como os negros poderiam de fato ascender.
Suas
pesquisas nessas áreas levaram a conclusões que incomodaram muitos
ativistas, pois delegavam mais responsabilidade aos próprios indivíduos e
famílias e demonstravam os fracassos de medidas governamentais que
beneficiavam somente uma elite. “Para onde quer que os negros estivessem
indo e para onde quer que quiséssemos ir, tínhamos de chegar lá de
onde estávamos — o que significava que tínhamos de saber onde estávamos,
não onde gostaríamos de estar ou onde gostaríamos que os outros
pensassem que estávamos”, chegou a escrever. Sowell não estava
preocupado com sentimentalismo ou com imagem, e sim com a verdade e o
progresso concreto dos indivíduos de carne e osso.
Em
carta de 1964 a um estudante negro de graduação, por exemplo, ele
disse: “Para mim, a psicologia do negro é o maior obstáculo ao progresso
racial. Não está na moda dizer isso, e certamente não é agradável, mas a
verdade não depende dessas considerações. Com todo o respeito devido à
coragem e dedicação dos vários grupos de direitos civis, acho que,
quando todas as leis forem aprovadas e todos os portões abertos, o
resultado líquido será um tremendo anticlímax, a menos que haja uma
mudança drástica de atitude entre os negros”. Ele apoiou a Lei dos
Direitos Civis (Civil Rights Act) de 1964 e o direito ao voto no ano
seguinte, mas era pessimista quanto a seu real impacto social caso não
houvesse mudança cultural também.
Por
conta de suas conclusões que não agradaram às elites dos movimentos
raciais, Sowell sofreu ao longo de sua vida uma constante tentativa de
assassinato de reputação. Suas intenções eram postas em dúvida, ele era
acusado de fazer o jogo dos brancos por desejar ser aceito por eles e
outras bobagens do tipo. Além disso, atacavam espantalhos, pondo
palavras em sua boca. Ele jamais negou a existência da discriminação
racial, por exemplo, como chegaram a afirmar. Ele simplesmente
apresentou argumentos econômicos para sua ineficácia, assim como
condenou empurrões estatais para resolver o problema, advertindo que
poderiam inclusive agravá-los — o que de fato aconteceu.
No
início da década de 1980, as principais cidades dos Estados Unidos com
grande população negra — Cleveland, Detroit, Chicago, Washington —
elegeram prefeitos negros. Entre 1970 e 2010, o número de autoridades
negras eleitas cresceu de menos de 1.500 para mais de 10.000 e incluiu
Barack Obama, o primeiro presidente negro. No entanto, mesmo enquanto os
negros aumentavam sua influência política nas décadas de 1970, 1980 e
1990, a dependência ao estado de bem-estar dos negros estava aumentando,
assim como o crime, o desemprego de adolescentes negros e o nascimento
de bebês gerados por mulheres negras solteiras. Sob os dois mandatos de
Barack Obama como presidente, as diferenças entre brancos e negros na
renda e na casa própria aumentaram e, quando ele deixou o cargo, as
pesquisas mostraram que as relações raciais caíram ao ponto mais baixo
em quase um quarto de século.
Não
obstante, muitos ativistas se recusam a enxergar a realidade ou buscar
em fatores culturais as explicações. Preferem demonizar gente como
Sowell, que previu as consequências. Apesar desses ataques pérfidos e da
firmeza com a qual Sowell respondia, ele sempre demonstrou tolerância
com as divergências. Primeiro, por ter sido professor. Depois, por ter
sido de esquerda. E, por fim, por ter escrito sua obra-prima, Conflito
de Visões, que define como pessoas honestas e inteligentes podem chegar a
pontos de vista distintos por conta de suas premissas e background. Ele
chamou de “visão limitada” e “visão ilimitada” cada lado, o que pode
ser entendido como a visão trágica e a utópica também. Numa delas, o ser
humano é visto como imperfeito e suscetível às paixões humanas,
enquanto na outra ele é tido como quase infinitamente elástico em seu
potencial para o bem.
O
livro não indica simplesmente diferenças semânticas entre intelectuais
notáveis através dos tempos. Ele explica por que as pessoas que
participam de comícios contra a polícia também tendem a apoiar impostos
mais altos sobre os ricos e o sistema de saúde universal, e como essas
posições podem ser atribuídas a uma visão utópica da condição humana
delineada por homens que nasceram antes mesmo da existência dos Estados
Unidos. Alguns querem “soluções” para tudo, enquanto outros, mais
realistas talvez, aceitam que dilemas sociais oferecem no máximo
trade-offs, alternativas imperfeitas.
“Eu
mesmo, é claro, comecei pela esquerda e acreditei muito nessas coisas. A
única coisa que me salvou foi que sempre pensei que os fatos
importavam. E uma vez que você pensa que os fatos importam, então é
claro que é um jogo muito diferente”, chegou a comentar. Se você
demonstra forte apreço pela realidade e vai atrás da verdade com o
máximo de imparcialidade, então os próprios fatos podem mudar suas
visões preconcebidas. Foi o que levou Sowell da esquerda para a direita.
Mas seus pares intelectuais de universidades como Harvard preferiam
muitas vezes pôr suas premissas acima das evidências e da lógica, e isso
sempre decepcionou Sowell. Ele nunca teve muita paciência com o
elitismo arrogante. “Os lugares mais intolerantes em que você pode estar
atualmente são os câmpus universitários”, afirmou.
Em
uma época de censura do politicamente correto, de excessivo
sentimentalismo e de medo de ofender grupos organizados de minorias com
os fatos, ler Sowell faz-se ainda mais necessário. “Sempre acreditei que
os fatos eram tão fundamentais que aonde quer que você queira ir,
literal ou figurativamente, você só pode chegar lá de onde estiver. Se
você quiser fazer o melhor que pode por alguém, precisará saber onde
eles estão na realidade”, escreveu. Sowell era realista e jamais deixou
seus desejos cegarem sua razão. O que importava mais para Sowell era se
os argumentos de um indivíduo poderiam resistir ao escrutínio, não como o
indivíduo se identificava politicamente ou ideologicamente.
Quão
melhor seria o nível dos debates com mais gente assim! Sowell é um
pensador que precisa ser mais lido. Para quem quiser começar por um
ótimo resumo de suas principais ideias, essa biografia é altamente
recomendável.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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