Regime corta luz, desativa internet e coloca sua tropa na rua, mas a barreira do medo foi vencida nas incríveis manifestações de domingo. Vilma Gryzinski:
Está
tudo calmo em Cuba. Sem manifestações, sem gritos, sem protestos, sem o
som do rap e do reggaeton cantados pelos músicos populares que estão na
linha de frente da rebelião pacifica.
Tecnicamente,
o regime venceu a batalha, depois de tirar velhos revolucionários como
Raúl Castro da aposentadoria para jogar seu peso político contra os
manifestantes. E também convocar policiais regulares e os comitês de
defesa da revolução para combater a “estratégia de guerra não
convencional”, velho chavão ressuscitado pelo presidente Miguel
Díaz-Canel para blindar o regime.
Mesmo
com as vozes digitais cassadas, as cenas que foram filmadas e deixaram o
país contam uma história completamente diferente. Ao contrário dos
pequenos e valorosos grupos de dissidentes, muitas vezes encabeçados por
artistas, dessa vez foram cubanos comuns que tomaram coragem e saíram
protestando em mais de 60 pontos de diversas cidades cubanas.
De
todos os gritos que entoaram, dois ocuparam posições especiais. “Pátria
e vida”, definitivamente virou o slogan dos dissidentes, uma resposta
direta e emocionante ao “Pátria ou Morte” consagrado por Fidel Castro.
O
outro é mais impressionante ainda: “Não temos medo, não temos medo, não
temos medo”. Quando um povo reprimido deixa de ter medo – ou acha que
pode deixar – , está na hora dos repressores sentirem o estômago
embrulhado.
Romper a barreira do medo é um dos atos mais sem volta da história das insurreições.
O
regime continua a dispor de um vasto leque de organismos repressivos,
treinados para infernizar a vida dos pequenos grupos dissidentes e
atacar cirurgicamente os “escolhidos” para ir para a cadeia. Mas muita
gente importante na estrutura do poder deve ter passado noites
intranquilas diante da espontaneidade, da rapidez e das dimensões sem
precedentes das recentes manifestações.
E
da facilidade com que músicos populares sintetizam o sentimento das
ruas. “Expliquem este comunismo, estas eleições, estes carros, estes
iates, estas mansões”, desafia o rapper Aldo Rodríguez.
Com
a facilidade de quem faz rimas não exatamente elaboradas, mas também
não vacila em dizer o que deve ser feito, ele avisa: “Se luta com amor e
o medo não é opção, é hora de derrubar esta revolução, muita violência e
roubo, muito ódio e repressão”.
“Não
vamos permitir que nenhum contrarrevolucionário, mercenário, vendido ao
império estadounidense, vá provocar desestabilização”, esgoelou-se
Díaz-Canel, usando o mesmo discurso de sessenta anos atrás Os músicos
chamados de traidores respondem de maneira muito mais cantante.
“Já se acabou”, diz um dos refrãos.
A
súbita escalada dos protestos em Cuba acontece num momento em que os
Estados Unidos têm que por panos quentes em vários pontos da região, com
a possibilidade de migração em massa de haitianos assustados com a alta
instabilidade provocada pelo assassinato do presidente, de
nicaraguenses infernizados pelo esquerdismo xamânico-delirante do casal
Daniel Ortega e Rosario Murillo e, claro, os próprios cubanos, sempre
desesperados para fugir do paraíso socialista.
Se os protestos se repetirem e a repressão for mais violenta, a fuga em massa para Miami se torna praticamente inevitável.
Muito
da adesão aos protestos se deve ao desespero puro e simples com a falta
de energia, que provoca apagões constantes, as filas para a comida
racionada, a quase inexistência de remédios e a repressão ao pequeno
comércio de rua, por causa da pandemia.
É nesses horas que fica mais fácil – e mais perigoso para o regime – dizer: “Já não temos medo”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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