O ambiente institucional está mais deteriorado, a situação fiscal piorada e elites dirigentes no momento atônitas, apostando que algo vai acontecer para evitar o pior. William Waack:
Não deve ser fácil para o tipo de autoestima que Jair Bolsonaro exibe ter de admitir-se impotente. Foi o que aconteceu em relação ao “rolo” no Ministério da Saúde
de cuja existência aparentemente tinha conhecimento. E que deixou
rolar, pois se considerava impotente para fazer qualquer coisa.
Na
verdade, Bolsonaro é impotente diante do mais velho esquema
patrimonialista brasileiro, graças ao qual ele sobrevive no Planalto
enquanto ajuda a promover o retrocesso que esse esquema representa. É
tudo tão arcaico quanto a política de clientelismo brasileira: um bem
escasso (vacinas) é controlado por órgão público (Ministério da Saúde)
que é feudo de algum partido.
Ao deter parte da máquina pública, o político dono do feudo distribui
ou canaliza recursos para atender aos seus interesses (de toda ordem) ou
os de empresas privadas, das quais também cobra alguma vantagem.
O
que a CPI da pandemia ainda não descobriu é quanto custou esse “serviço
de influência” política que garantiria a uma empresa privada mercadoria
que iria revender com lucro excepcional (na Rússia e na China muitos se
tornaram bilionários exatamente assim). As coisas pareciam muito
promissoras, pois a empresa em questão já estava recebendo pagamentos
antes mesmo da chegada de uma só dose da vacina que se propunha comprar
na Índia – tal é a certeza, na ponta da compra e na ponta da venda, de
como funcionam negócios via influência política em órgãos públicos.
Não,
não foi Bolsonaro que conduziu o País a esse estado no qual forças
políticas se organizam para se aproximarem do cofre e da máquina
públicas transformados em ferramentas para benefício próprio – e nem se
está falando de corrupção. Nesse sentido, os “donos do poder” sempre
foram os mesmos, os métodos nunca se diferenciaram muito e num momento
de sincericídio – a julgar pelo relato de um dos acusadores na CPI da pandemia – o presidente confessou ser impotente diante do “rolo”.
A
impotência presidencial – Bolsonaro não sabe o que é “agenda política”,
que confunde com vociferar a bajuladores – ajuda o retrocesso em vários
campos de enorme amplitude e nos quais o chamado Centrão
tem um interesse direto, e que estão sendo atacados no momento. Entre
eles, os da reforma política eleitoral e reforma tributária, fora a
administrativa. Para trás já ficou outra importante, a da privatização
da Eletrobrás, desfigurada por essas mesmas forças empenhadas em
garantir vantagens setoriais.
A
reforma eleitoral caminha, a julgar pelos documentos preliminares, para
diluir a eficácia da cláusula de desempenho e garantir o controle dos
caciques através do Distritão – na contramão do que se recomenda, que é
tentar diminuir o número de partidos e assegurar que o partido, e não
quem manda nele, saia reforçado.
A reforma tributária
é essencial que seja ampla para mudar um sistema que nem se pode
descrever como manicômio – pois do manicômio, como diz a piada, é
possível fugir, mas não do sistema tributário brasileiro. Sob Bolsonaro
está virando um arremedo de reforma com claro interesse eleitoreiro (na
correção da tabela do IR), que não ataca a questão tributária de forma
abrangente, cria distorções e ameaça aumentar a já pesadíssima carga de
impostos.
Já
se pode registrar na história do Brasil o fato da onda disruptiva que
Bolsonaro surfou para chegar ao Planalto ter assegurado aos tradicionais
donos do Poder a manutenção dos instrumentos de acesso ao que é público
em prol do interesse privado – a clássica definição de patrimonialismo.
Ocorre que o ambiente institucional está mais deteriorado, a situação
fiscal piorada e elites dirigentes no momento atônitas, apostando que
algo vai acontecer para evitar o pior.
O
País já era antes disso pobre, desigual e violento, e ficou mais
doente. Perde tempo e energia com debates inúteis, num ambiente de
polarização política que prima pela imbecilidade típica de fanáticos e
extremistas. Tendo um autodeclarado impotente como presidente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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