John McAfee achava que seria morto pela CIA e acabou se suicidando numa cela em Barcelona, antes da extradição para os Estados Unidos. Vilma Gryzinski:
Dinheiro
demais, drogas demais, paranoia demais. Poucas personalidades reuniram
todos estes exageros – e muito, muitos outros – como John McAfee,
encontrado morto por enforcamento na cela da brisa catalã onde viu uma
realidade que “daria um thriller de dez mil páginas”.
E
quantas páginas renderia o romance de ação, suspense e pura loucura que
foram seus 75 anos, vividos como se ele tivesse acabado de fazer quinze
e continuasse a ter os 80 milhões de dólares que ganhou quando vendeu,
precocemente, sua empresa, ancorado no pioneiro software antivírus que
continua a ser usado no mundo todo, com o seu nome (a Intel tentou
mudá-lo, mas a marca já tinha ficado muito forte).
McAfee
dizia que tinha perdido tudo na crise de 2008 e que não pagava por
convicção ideológica os 4,2 milhões de dólares em bens não declarados
pelos quais estava sendo processado nos Estados Unidos – uma cascata de
acusações que poderia render trinta anos de cadeia, possibilidade que
ele decidiu não encarar.
“Eu
me descreveria como bastante são e lúcido, motivo pelo qual continuo
vivo”, disse ele ao Telegraph quando estava fugindo de Belize, um dos
vários países do Caribe onde tentou emplacar um estilo de vida que
incluía um harém de sete mulheres e quantidades impressionantes de
armas.
Na
época, em 2012, o problema em Belize tinha se originado numa briga de
vizinhos. O americano Gregory Viant Faull havia apresentado uma queixa
contra os cachorros de McAfee, dizendo que atacavam as pessoas. Quatro
cachorros apareceram mortos e Faull apareceu com um tiro de Luger na
cabeça.
McAfee
disse que não atribuía o envenenamento dos cães ao vizinho, mas ao
governo de Belize, que havia mandado um esquadrão da morte atrás dele. A
conversa com o repórter não durou muito porque o entrevistado não
queria ficar falando no celular. “Eles nacionalizaram a companhia
telefônica para poderem rastrear as chamadas e fazer a triangulação”,
explicou.
McAfee
também se meteu em encrencas na Guatemala, na República Dominicana e
até no iate que singrava as águas do Caribe, cheio de cachorros, armas e
a própria esposa, Janice, com quem decidiu se casar depois de contratar
para um programa.
Três
dias antes de seu marido ser encontrado morto na cela em Barcelona,
Janice postou que “as autoridades americanas estão determinadas a fazer
John morrer na prisão” – uma bela lenha na fogueira dos
conspiracionistas que viam nele um espírito libertário que jogou tudo
para o alto, disposto a viver a vida como queria e a pagar o preço por
isso.
Embora
o rebelde solitário seja um dos muitos mitos americanos, McAfee nasceu
na Inglaterra e foi com os pais quando era criança para os Estados
Unidos. Violento e alcoólatra, o pai se suicidou quando John tinha
quinze anos.
Com
a mente certa para o tipo de negócio que estava tomando o mundo – os
computadores -, ele não terminou o pós-doutorado em matemática por se
envolver com uma orientanda e começou a trabalhar como programador.
Tomava um ácido todo dia antes de ir para o trabalho, numa época em que
os futuros gênios da alta tecnologia já pensavam em vida saudável,
longa, produtiva e talvez até fora da Terra.
McAfee
tinha outro jeito de entrar em órbita. Em 1987, quando trabalhava na
Lockheed, gigante dos armamentos, escreveu o primeiro programa
antivírus. Saiu para criar sua própria empresa de segurança cibernética.
Depois,
se tornou um dos maiores críticos da indústria, alertando que “nossos
telefones celulares se tornaram os maiores espiões do planeta”. Criou
várias empresas no ramo, entrou no mundo pantanoso das criptomoedas e
tentou duas vezes ser candidato a presidente pelo Partido Libertário.
“Os
governos são compostos por seres humanos e todas as fragilidades que os
humanos possuem são absorvidas nesses governos”, dizia.
“Ódio,
ira, ciúmes, ganância, desconfiança e toda a gama de aflições que os
humanos carregam espreitam sob a aparência de civilidade apresentada
mostrada pelo ‘governo’”.
Se
alguém tivesse ainda alguma dúvida sobre a vida que acabou levando,
McAfee a desfez: “Minha frágil conexão com o mundo da sociedade bem
educada foi, sem dúvida nenhuma, cortada”.
Em
2019, ele postou uma tatuagem nova das muitas que tinha e escreveu:
“Fiz uma tatuagem hoje só para garantir. Se eu me suicidar, não fui eu.
Olhem meu braço direito”. Nele estava escrito: “Wackd”. Apagado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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