Vai ficar mais difícil para o presidente ostentar a bandeira da lisura ética nas eleições de 2022. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
O
Covaxingate vai derrubar a República, como vaticinou o deputado federal
Luis Miranda (DEM-DF)? A exemplo do que ocorreu com muitas outras
Comissões Parlamentares de Inquérito, a CPI da Covid no Senado, ao ser
criada em abril, tinha tudo para dar em pizza, tanto em seu objetivo de
investigar as ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia,
quanto em seu propósito adicional de apurar o uso de verbas federais
pelos estados e municípios.
Na
questão dos repasses federais, está mais do que claro que é isso vai
acontecer, seja pelo desinteresse da maioria dos senadores membros da
CPI em focar nesse tema, seja pela decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) de desobrigar os governadores a prestar depoimento.
Já
a linha de investigação sobre a atuação do governo de Jair Bolsonaro
esquentou nos últimos dias com as revelações de um suposto favorecimento
na compra da vacina indiana Covaxin. O Covaxingate vai conseguir provar
a existência de corrupção com conivência do presidente, e com
implicações concretas para o seu mandato?
A
oposição está alvoroçada com as denúncias e já vê novas oportunidades
para apear Bolsonaro do cargo antes das eleições de 2022, seja por meio
de um processo de impeachment, seja por julgamento no STF.
A
CPI apenas começou a escarafunchar essa história da compra de uma
vacina que, apesar de mais cara e de qualidade mais duvidosa que as
outras, teve processo de compra mais célere e com maior empenho pessoal
do presidente. O que já se tem, por enquanto, não é nada bom para o
governo.
O
presidente não negou que tenha sido alertado pelo deputado federal Luis
Miranda e por seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do
Ministério da Saúde, a respeito da pressão incomum para concretização da
compra da vacina, apesar de inconsistências na documentação de
importação em relação ao contrato. O fato de Bolsonaro não ter
determinado à Polícia Federal que investigasse a denúncia é o suficiente
para levantar a suspeita de que o presidente prevaricou.
Um
dos caminhos para essa suspeita é o de instar a Procuradoria-Geral da
República (PGR) a apurar o possível crime de prevaricação por parte do
presidente. Após uma investigação preliminar, a PGR pode pedir uma
abertura de inquérito ao STF.
Se,
após concluídas as investigações, a PGR entender que de fato houve
crime por parte do presidente, deverá apresentar denúncia ao STF, que
por sua vez precisará de aprovação de dois terços da Câmara dos
Deputados para iniciar um julgamento de Bolsonaro — que, a partir desse
momento, será afastado do cargo.
Antes
mesmo de chegar ao juízo dos deputados federais, portanto, o caso
depende de Augusto Aras, o procurador-geral de República, para avançar.
Aras, como se sabe, disputa uma vaga ao STF, que será aberta já no mês
que vem com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, ou espera ter seu
mandato na PGR renovado em setembro. Nas duas alternativas, vaga no STF
ou continuação na PGR, ele depende da nomeação da pessoa que terá de
investigar: o presidente.
Aras
já está com um inquérito aberto para investigar a acusação feita por
Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, de que Bolsonaro tentou interferir
na Polícia Federal para defender interesses pessoais. A investigação
está parada por falta de depoimento do presidente.
O
caminho de investigar o papel do presidente no Covaxingate via PGR,
portanto, é tortuoso e cheio de obstáculos. Não justifica o otimismo da
oposição.
O
outro, de turbinar um pedido de impeachment no presidente, tampouco
deveria dar margem à animação de opositores. O presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-SL), parece estar fechado com Bolsonaro.
O
presidente aliou-se ao centrão rendendo-se à velha política da
distribuição de cargos e de emendas especiais, rendendo até acusações de
um orçamento paralelo. Há quem diga que esse é o custo da
governabilidade.
Mas
há também o custo da blindagem ao presidente, ou seja, da disposição de
Lira de ignorar os pedidos de impeachment, que é mais alto e cresce
conforme as acusações vão ficando mais graves.
O
fato de um nome importante do centrão, o deputado federal Ricardo
Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, ter sido citado como
elemento central no Covaxingate demonstra o quanto os destinos de
Bolsonaro e dos integrantes dos partidos fisiológicos do Congresso estão
interligados.
(Vale
lembrar que, no ano passado, o então vice-líder do governo Bolsonaro no
Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi flagrado pela PF com dinheiro
escondido na cueca.)
O
mais provável é que coloquem tudo nas costas de Barros, se os indícios
do envolvimento dele forem fortes, para livrar o presidente — desde que
Bolsonaro pague o custo da blindagem adicional, claro.
Ou
seja, o Covaxingate tem tudo para dar em pizza — como aliás já
aconteceu com a investigação do repasse dos recursos federais aos
estados e municípios.
O
estrago político e eleitoral a Bolsonaro, no entanto, já está feito. O
presidente sempre disse que seu governo era livre de corrupção e que
qualquer denúncia seria investigada a fundo. A promessa não foi
cumprida.
Vai ficar mais difícil para o presidente ostentar a bandeira da lisura ética nas eleições de 2022.
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