São incontáveis os premiês e ministros que conheceram a desgraça por causa da alcova. João Pereira Coutinho via FSP:
1.
“Sexo, não, por favor: somos britânicos.” Nunca acreditei nessa piada.
Basta olhar para a política: são incontáveis os premiês e ministros que
conheceram a desgraça por causa da alcova. Piores, só os franceses. O
último dessa linhagem é Matt Hancock, ministro da Saúde, que apresentou a
sua demissão por ter sido filmado a beijar a assistente, com quem
mantém um affair.
Hancock
é casado. Mas a demissão não se explica por razões pessoais ou morais.
Apenas por razões sanitárias, o que permite contemplar melhor o espírito
do nosso tempo. No dia 3 de maio, data do beijo, uma das regras
impostas pelo Ministério da Saúde era manter o “distanciamento social”
com pessoas que não são da família. Essa regra só seria revogada a 17 de
maio. Se Hancock tivesse aguentado mais 14 dias sem tocar na amante,
optando por uma dieta de abstinência e duchas frias, nenhum problema.
Mas o ministro não suportou a carência.
Longe
de mim defender Matt Hancock: na luta contra a Covid, o ministro sempre
teve um prazer perverso em impor aos outros regras tirânicas e
proibições absurdas que, vemos agora, ele era o primeiro a violar. Mas,
por outro lado, como não rir? Na minha inocência, eu julgava que a ideia
de ter uma amante era incompatível com noções de “distanciamento
social”. Aliás, em certos casos, a amante serve, precisamente, para
superar o “distanciamento social” que existe dentro de casa.
Mas
talvez eu esteja errado – e, em tempos de Covid, seja expectável que os
amantes usem máscara, se mantenham a dois metros um do outro e possam
lavar as mãos apaixonadamente, cada um em seu lavatório, até caírem
exaustos de prazer.
2.
Viktor Orbán, premiê húngaro, incendiou a Europa com uma lei que proíbe
a divulgação, entre menores de 18 anos, de conteúdos relacionados com a
identidade de gênero, a mudança de sexo e a homossexualidade. A medida
foi apresentada como “conservadora” pelos críticos, que denunciam o
clima de homofobia e de ataque à liberdade de expressão que reina ali.
Peço
desculpa aos críticos, mas a medida não é “conservadora”, exceto para
quem não entende o significado filosófico de certas palavras. Qualquer
conservador sabe que, em matéria educativa, cabe aos pais, e não ao
Estado, decidir o que as crianças podem ou não consumir. Isso é válido
para a cultura pop; para as matérias religiosas ou morais ensinadas na
escola; e para qualquer outro assunto em que a educação dos filhos
esteja em causa.
A
medida de Orbán é, quando muito, anticonservadora. É jacobina,
autoritária e centralista. A função de um conservador é ordenar ao
Estado que se retire de matérias parentais. Mas é mais que isso: como
escreve William Nattrass na Spiked, a Hungria está preocupada com o seu
declínio demográfico. Hoje, tem 9,7 milhões de habitantes. Mas pode
chegar a 2050 com 8,5 milhões.
O
governo entende que uma das formas de reverter a tendência é pela
supressão, no espaço público, dos temas LGBTQIA+. Pessoalmente, não
conheço nenhum heterossexual que tenha deixado de fazer filhos porque
assistiu a O Segredo de Brokeback Mountain. Também não conheço nenhum
heterossexual que tenha cortado a sua protuberância depois de ler as
memórias de Caitlyn Jenner.
A
lei de Orbán expressa uma ansiedade heterossexual bastante embaraçosa
para um macho que se preze. Quem está confortável com a sua identidade
sexual não se sente ameaçado com a vida privada dos outros.
3.
Um dos grandes fenômenos do nosso tempo é a forma como o capitalismo
vai parasitando causas da moda para fazer o que melhor sabe: dinheiro.
Em agosto, Vivek Ramaswamy vai publicar um livro (Woke, Inc: Inside
Corporate America's Social Justice Scam) em que conta com detalhes essa
farsa.
Mas,
pela entrevista ao Wall Street Journal, a tese promete: depois da crise
financeira de 2008, o capitalismo tinha de encontrar uma forma para se
relegitimar aos olhos do público. A wokeness foi a salvação: mostrando
preocupações sociais/raciais/identitárias, as grandes corporações
puderam tocar os negócios com um novo halo de santidade.
Agora,
chegou a vez de a Victoria’s Secret, a famosa grife de lingerie que
deixará de ter os seus “anjos”. Haverá apenas mulheres “normais”, de
preferência ativistas, e com moderado sex appeal. Os otários, de
esquerda ou de direita, afirmam que é uma vitória do feminismo ou do
politicamente correto, consoante os casos. Talvez seja. Mas é, antes de
tudo, uma vitória do dólar sobre os otários.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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