Corrupção agride, paralisa e mata, escreve Carlos Alberto Di Franco no Estadão:
Criminosos
punidos pelo trabalho saneador da Operação Lava Jato e posteriormente
anistiados por aqueles que teriam o dever de proteger a sociedade
começam a construir narrativas com a finalidade de apagar os fatos,
recriar a história e transformar delinquentes em modelos de virtudes e
exemplos de boa política.
Argumentam,
armados de um cinismo cortante, que a Operação Lava Jato “com sua sanha
punitiva” destruiu empresas, criminalizou a política e condenou
inocentes. Como se não existissem confissões documentadas, provas
robustas e milhões devolvidos aos cofres como resultado de acordos. Quem
devolve, por óbvio, reconhece o roubo. Para essa gente, no entanto,
tudo isso precisa ser apagado com a pedagogia do mestre Goebbels,
nazista cruel e braço direito de Hitler: “Uma mentira repetida mil vezes
torna-se verdade”. Mentem. Compulsivamente. Mentem com voz melíflua,
sem ruborizar e mover um músculo do rosto. São exímios na arte do
engodo.
Têm
aliados importantes nas instituições da República. Isso ficou evidente,
mais uma vez, na recente decisão da Câmara dos Deputados que detonou a
Lei da Improbidade, o mais importante instrumento anticorrupção então em
vigor no Brasil. O pedido de urgência de votação começou a ser votado
às 17h11 e se concluiu às 17h19. E não estamos falando em urgência para
acelerar reformas essenciais para a modernização do Brasil ou
iniciativas visando a salvar vidas ou superar as terríveis desigualdades
sociais. Não, amigo leitor. O objetivo foi abrandar ou eliminar penas. O
relatório final elimina a imprescritibilidade do ressarcimento do dano
ao patrimônio público – possibilidade de pedir a qualquer tempo a
devolução de valores devidos. Um golaço da corrupção.
Na
verdade, quando o assunto é combate à corrupção, o Brasil está em queda
livre. Na recém-divulgada edição do Índice de Capacidade de Combate à
Corrupção 2021, o País sofreu a maior queda entre as 15 nações da
América Latina analisadas. “O Brasil tem apresentado uma das trajetórias
mais preocupantes entre os países da América Latina”, sublinha Thomaz
Favaro, diretor da Control Risks. “Recentemente o País sofreu alguns
reveses, com uma série de tentativas de ingerência governamental sobre
órgãos-chave, como a Polícia Federal e o Ministério Público, e também
uma série de decisões judiciais que impactaram a luta anticorrupção”,
diz Favaro.
Desanima?
Certamente. O mal, no entanto, não tem a última palavra. Os brasileiros
estão trancados em casa por causa da pandemia. Mas ela vai passar. Se
Deus quiser. E então, srs. políticos, apertem os cintos e revisitem as
imagens das imensas passeatas da cidadania que sacudiram o País. Não
eram iniciativas convocadas por partidos políticos. Eram famílias, gente
normal e pacífica, mas cansada do sequestro do seu presente e da
condenação do seu futuro.
O
combate à corrupção é uma das demandas mais fortes da sociedade. A
corrupção algema a sociedade. A corrupção desvia para o ralo da
bandidagem recursos que podiam ser investidos em saúde, educação,
segurança pública, etc. A corrupção empurra crianças famintas para a
catástrofe da prostituição infantil. O Brasil não vai mais
contemporizar. Cabe a nós, jornalistas e formadores de opinião, assumir o
papel de memória da cidadania. Não podemos deixar cair a peteca.
Revisitaremos todos os meandros daquele que já foi definido como o maior
escândalo de corrupção da História do mundo, o petrolão, um esquema
bilionário de corrupção na Petrobrás durante os governos Lula e Dilma,
que envolvia cobrança de propina das empreiteiras. Trata-se de um dever
ético inescapável.
Mas,
para além das trincheiras internas, a guerra contra a corrupção
brasileira ganhou dimensão internacional. Como salientou a promotora
Luciana Asper em recente entrevista exclusiva que me concedeu, a
irrefutável gravidade dos impactos da corrupção para o desenvolvimento
socioeconômico do Brasil, a certeza de que as estratégias de
enfrentamento da corrupção estão globalizadas, a notoriedade
internacional do Brasil como país de elevada percepção da corrupção, a
aplicação prática dos tratados e cooperações internacionais para o
combate à corrupção e a imposição da cultura da integridade pública
mudam, por completo, o paradigma de fazer negócios no Brasil e com o
Brasil. Resistir a essa verdade e não se adaptar é o mesmo que receber o
diagnóstico de uma doença grave e acreditar que ela vai desaparecer sem
o devido tratamento.
Resumo
da ópera: diante da dicotomia entre as reiteradas tentativas internas
de estabelecer caminhos para a impunidade (a recente decisão da Câmara
dos Deputados é um exemplo redondo) e as iniciativas internacionais de
avançar com os tratados e cooperações para o combate à corrupção global,
os Poderes públicos brasileiros vão ser forçados a mudar.
A
corrupção como modelo de negócio está com seus dias contados. A
governança do roubo e da delinquência será um suicídio político e
empresarial. Nós, jornalistas e formadores de opinião, temos o dever
profissional e ético de jogar muita luz nas trevas da corrupção.
Trata-se de um crime que agride, paralisa e mata.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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