Laurel Hubbard, apesar de ter os níveis hormonais de uma mulher, continua com o espírito competitivo de um homem. Só um tipo com muita vontade de ganhar é que está disposto a arriscar perder para garotas. José Diogo Quintela para o Observador:
A
derrota de Domingo vai deixar marcas profundas. Nos jogadores, nos
adeptos e, acima de todos, nos apanha-bolas que ficaram cheios de
arranhões ao saltarem sebes ao redor do estádio, para recolherem as
bolas que os jogadores portugueses insistem em chutar para fora do
campo.
Felizmente,
para ajudar a esquecer a frustração deste grande certame desportivo
internacional, começa já a seguir outro grande certame desportivo
internacional. A abertura dos Jogos Olímpicos é daqui a três semanas e
estou em pulgas para assistir ao ciclismo (onde vou torcer por João
Almeida), ao andebol (a primeira vez que a nossa selecção lá está), ao
triplo salto (em que Patrícia Mamona é favorita) ou ao judo
(especialmente ao Jorge Fonseca). Mas a prova que vou acompanhar com
mais entusiasmo é, sem dúvida, o halterofilismo feminino na categoria de
+87kg. É aqui que vai competir Laurel Hubbard, a super levantadora
neozelandesa que, até há 9 anos era o mediano levantador neozelandês.
O
que faz da prova de halterofilismo feminino uma competição muito
exigente, não só para os atletas, mas também para os espectadores. Não
sei o que é fisicamente mais impressionante, se levantar 150 kg acima da
cabeça, se olhar para um homem e ver uma mulher. Como façanha física, é
ele por ela.
Hubbard
é a primeira atleta transgénero a competir nas Olimpíadas. Nasceu em
1978 e, em 2012, fez a transição de Gavin para Laurel. Uma nova regra do
Comité Olímpico permite que mulheres transgénero possam competir contra
mulheres se, nos últimos 12 meses, tiverem mantido os níveis de
testosterona abaixo de um determinado valor, algo que se consegue com
medicação – ou, descobriu-se agora, assistindo aos jogos da selecção de
futebol.
Apesar
disso, há quem diga que Hubbard tem uma vantagem injusta sobre as suas
adversárias, devido ao seu corpo ter passado a puberdade masculina. Face
a quem vive a puberdade feminina, isso confere-lhe maior massa
muscular, maior capacidade cardiorrespiratória e maior densidade óssea,
entre outras vantagens físicas que não desaparecem.
Não
tenho os conhecimentos científicos necessários para avaliar quem tem
razão, mas o meu instinto diz-me que baixar a testosterona não chega
para pôr um atleta masculino ao nível de uma atleta feminina. A prova é
que, apesar de Laurel Hubbard ter os níveis hormonais de uma mulher,
continua com o espírito competitivo habitual de um homem. Só um tipo com
muita vontade de ganhar é que está disposto a arriscar perder com
miúdas.
Se
Hubbard ganhar, aproveitou-se de uma vantagem injusta e é uma vergonha.
Se perder, não aproveitou uma vantagem injusta e é uma vergonha. Este é
o tipo de situação impossível em que só um homem se coloca. Um homem
normal limita-se a ver desporto feminino e a dizer: “Se eu quisesse,
levantava mais que esta miúda”. Mas só um homem muito macho é que está
disposto a passar pelo vexame de tentar e falhar.
Laurel
pode sentir-se mulher, mas há tiques sexistas que não perdeu. Como
membro do patriarcado, continua a achar que o lugar da mulher é em casa.
Pelo menos o lugar de Kuinini Manumua, a mulher que perdeu para Hubbard
a vaga na equipa da Nova Zelândia e que, por isso, vai ter de ver as
Olimpíadas em casa.
Costuma
dizer-se que o sucesso é 1% inspiração, 99% transpiração. A não ser no
caso de Laurel Hubbard, em que o sucesso é 0% inspiração, 100% trans.
Talvez seja altura de mudar o lema das Olimpíadas para Citius, Altius,
Fazdecontius.
Tenho
perfeita noção que, ao defender que uma mulher transgénero não é igual a
uma mulher e que é injusto que compita na categoria feminina, há quem
vá dizer: “Eh, pá, este gajo é atrasado mental!” Mas isso não é verdade.
Infelizmente. Sei-o porque tentei usar esse argumento para concorrer
aos Jogos Paralímpicos, sem sucesso. Gostava tanto de ganhar uma
medalha, que quis identificar-me como pessoa com deficiência
intelectual, para ter uma vantagem sobre os outros concorrentes. Mas,
para ser aceite, a incapacidade intelectual tem de se ter revelado antes
dos 18 anos. Depois disso, considera-se que, por ter tido um
desenvolvimento normal até à idade adulta, o atleta tem uma vantagem
desleal sobre os adversários. Sim, são requisitos mais apertados do que
os para entrar na competição feminina. Pelos vistos, para o Comité
Olímpico, é mais fácil passar-se por mulher do que armar-se em parvo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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