Há 34 anos, a 12 de Junho de 1987, o conservador Presidente Ronald Reagan discursou junto ao Muro de Berlim e declarou: “Mr. Gorbatchev, tear down this wall!” Dois anos depois, caía o Muro de Berlim. Artigo do professor João Carlos Espada, publicado pelo Observador:
1 Vozes
amigas dizem-me que tem havido na lusitana comunicação social um
intenso debate sobre o fantástico crescimento económico que terá
existido numa determinada década da cinquentenária (anti-capitalista,
antidemocrática e terceiro-mundista) ditadura de Salazar.
Receio
ter de dizer, com assumido snobismo liberal-euro-atlantista, que
acompanho apenas fugazmente os (sempre muito exaltados) debates
lusitanos. Mas, a ser verdade o que vozes amigas me dizem sobre este
súbito interesse acerca da ditadura de Salazar, receio ter de dizer que
esse interesse é simplesmente terceiro-mundista. A patética ditadura de
Salazar, bem como a patética república jacobina que a precedeu, foram
expressão de um deplorável excepcionalismo ibérico (em Espanha foi ainda
pior, com uma deplorável guerra civil entre primitivos fanatismos
rivais).
2
Como possível alternativa — snobe, liberal-democrática e civilizada —
ao pobre saudosismo salazarista, atrevo-me a sugerir a recordação de uma
efeméride que — curiosamente ou talvez também sintomaticamente — passou
despercebida entre os nossos muito exaltados debates lusitanos: há 34
anos, a 12 de Junho de 1987, o conservador Presidente Ronald Reagan
discursou junto ao Muro de Berlim e declarou: “Mr. Gorbatchev, tear down
this wall!”
Nos
dias seguintes, na imprensa ocidental, intelectuais de uma certa
‘esquerda’ e de uma certa ‘direita’, anti-snobes e anti-capitalistas,
apressaram-se a criticar Ronald Reagan. De ambos os lados foi dito que
Reagan ignorava o “realismo” da política internacional. À esquerda, essa
alegada ignorância foi atribuída aos “desígnios imperialistas do
capitalismo americano”. Entre uma certa direita terceiro-mundista, os
mesmos “desígnios imperialistas do capitalismo americano” foram citados,
sobretudo como ameaça a patéticas ditaduras, militares e colectivistas,
sul-americanas. (Em terras lusitanas, a propósito, marginais da
extrema-esquerda e da extrema-direita acusavam os liberais-democratas
Mário Soares e Cavaco Silva , bem como a memória de Sá Carneiro, de
serem “os homens dos americanos”).
3
Tudo isso foi muito interessante, mas o certo é que, pouco mais de dois
anos depois, a 9 de Novembro de 1989, o Muro de Berlim caía aos olhos
do mundo. E tinha início uma vasta transição pacífica para a democracia e
para o capitalismo nos países da Europa Central e de Leste, até então
sob a feroz ditadura soviética, comunista e anti-capitalista. Foi na
sequência da queda do Muro que os países da Europa Central e de Leste
viriam a integrar a democrática União Europeia.
Alguma
relação entre o discurso de Reagan em 1987 e a queda do Muro em 1989 é
hoje genericamente — ainda que relutantemente — aceite. Mas raramente é
recordado que o discurso de Reagan em 1987 foi genuinamente expressão de
uma opção política de fundo. Essa opção política de fundo — em defesa
da democracia e do capitalismo no mundo — redesenhou as clivagens
políticas na América: sob a liderança conservadora de Ronald Reagan,
emergiu uma ampla coligação bi-partidária, entre Republicanos e
Democratas, em defesa da causa democrática liberal à escala mundial.
4
Esta opção estratégica de fundo tinha sido memoravelmente apresentada
por Ronald Reagan no Parlamento britânico, na presença de Margaret
Thatcher, em 8 de Junho de 1982. Aí foi anunciada a criação do National
Endowment for Democracy (NED) — uma instituição independente, com apoio
bi-partidário no Senado e na Câmara dos Representantes dos EUA, dedicada
ao apoio e promoção dos ideais demo-liberais no mundo.
Sob
a direcção fundadora de Carl Gershman, o NED declarou desde o início o
seu anti-comunismo. Mas sublinhou que não era apenas fervorosamente
anti-comunista: era também fervorosamente contra todo o tipo de
ditaduras e fervorosamente a favor da causa liberal-democrática — o que
incluía a defesa das economias de mercado e do estado limitado pela lei,
vulgo ‘capitalismo’.
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Carl Gershman acaba de anunciar no NED a sua “passagem à Reserva”, após
quase 40 anos. Já confirmou a sua presença na próxima 29ª edição do
Estoril Political Forum, a 18-20 do próximo mês de Outubro no (sempre
muito anglófilo) Estoril Palace Hotel. Aí vamos recordar e debater a
herança liberal democrática de Ronald Reagan, Margaret Thatcher, e… do
muito snobe Winston Churchill — bem como de Charles De Gaulle e Konrad
Adenauer. O tema global será: “On the 80th Anniversary of the Atlantic
Charter: Structuring a New Alliance of Democracies”.
Receio
ter de recordar que, ao longo das últimas 28 edições do Estoril
Political Forum (o maior encontro anual de Estudos Políticos entre nós),
nunca perdemos tempo a discutir as taxas de crescimento da patética
ditadura salazarista ou da patética I república jacobina. Poderá ser
dito que somos snobes defensores do indomável apelo da democracia
liberal. Indeed we are.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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