É Estado contra Estado. Mas nos Estados Unidos isso ainda tem um sentido muito diferente do que tem no resto do mundo. Fernão Lara Mesquita:
Lina
Khan, 32 aninhos, nascida em Londres filha de pais paquistaneses, é a
nova chairman da Federal Trade Comission, o órgão que executa a
legislação antitruste do governo americano. Indicada por Joe Biden, ela
foi aprovada ontem pelo Senado numa votação trans-partidária por 69 a 28
votos, no mesmo dia em que uma ação antitruste contra o Facebook aberta
em dezembro passado com o endosso dos promotores gerais de 46 estados
americanos era rejeitada por por insuficiência de provas (ou melhor, de
critérios que o definissem) como um monopólio depois de absorver o
Instagram (por US$ 1 bi em 2012) e o WhatsApp (no ano passado por US$ 19
bi).
“A
legislação antitruste com um século de idade precisa de urgente
reforma” é das poucas afirmações sobre a qual Joe Biden e Donald Trump
não discordam.
Lina
Khan deu seu primeiro passo para a fama ainda na faculdade com um paper
em que acusava a Amazon de abusar do seu poder monopolístico. Trabalhou
depois na ONG Open Markets Institute e tornou-se líder do movimento
“hipster antitrust” que lutava por “novos meios para avaliar o controle
de mercado pelas empresas que incluíssem o conceito de como isso afeta
as pessoas não só como consumidores mas também como cidadãos,
trabalhadores e membros de uma comunidade”.
Zephyr
Teachout, professor de direito em Columbia, disse ao NYTimes que a
nomeação de Khan e de seu colega Tim Wu para o Conselho Nacional de
Economia, todos ex-alunos da mesma faculdade, Biden fez “duas escolhas
poderosas que autorizam a esperança de que o desvio da politica
antitruste para o ‘estado de bem estar do consumidor’ dos últimos 40
anos está chegando ao fim”.
O
socialismo foi barrado na entrada dos Estados Unidos ao longo de todo o
século 20 pela forte adesão do povo ao capitalismo domesticado pelo
viés antitruste que Theodore Roosevelt imprimiu à democracia americana
na virada do século 19 para o 20. Ao eleger a preservação de um limite
mínimo de concorrência como limite máximo da competição econômica, TR
deslocou o foco do capitalismo americano da finalidade única de
enriquecer ilimitadamente empreendedores (e acionistas) para o de
garantir o direito do cidadão comum, proletário, de ser disputado,
enquanto trabalhador pela oferta de salários crescentes e enquanto
consumidor pela oferta de preços decrescentes pelos empreendedores,
deixando a inovação tecnológica como a única porta aberta para o
crescimento econômico para além do limite de ocupação de mercado
estabelecido.
Foi
isso que fez os Estados Unidos se tornarem a força que elevou a
humanidade a alturas nunca antes sonhadas ao longo do século 20.
A
direita americana carrega a culpa de ter reiniciado o círculo vicioso
da volta aos monopólios. O “cavalo de Tróia” teórico que plantou a
semente da destruição da democracia antitruste foi montado por Robert H.
Bork e Ward S. Bowman, da Yale School of Law, no final dos anos 60, e
realimentado pelos economistas da escola austríaca em ascensão desde a
Era Reagan, ao formular a tese de que ao coibir fusões de empresas que
levassem a “ganhos de escala” e “reduções de preços” essa política
estava lesando e não protegendo os consumidores.
A
exigência legal de um nível mínimo de competição em cada setor da
economia introduzida pela reforma de Theodore Roosevelt passou
gradualmente, desde então, a ser igualado pelas cortes americanas a
“redução de preço”, sinônimo de “eficiência econômica”. Essa foi a
armadilha jurídica em que caiu para morrer o maior avanço já conquistado
pela gente que vive de salário desde sempre pois hoje o mundo todo
aprendeu a duras penas que essas “reduções de preços” se dão à custa de
reduções de salários só possíveis num ambiente de monopolização geral da
economia dentro do qual o desfrute de qualquer liberdade individual se
torna impossível
Mas
como essa monopolização crescente desembestou como reação à competição
desonesta e predatória dos monopólios do capitalismo de estado chinês, o
último bastião do socialismo real, lá embarcou nela a esquerda do mundo
à custa da traição da bandeira histórica da aliança com o proletariado
que a fizera nascer e sobreviver até então. Os fatos criaram, para ela,
uma armadilha dialética pois tornaram impossível chegar à verdade sem
apontar o socialismo como o que é: o maior inimigo do assalariado.
À
necessária autocrítica preferiu-se partir para a destruição do próprio
conceito de verdade. É para seguir negando o inegável que foi preciso
inflar ao nível do absurdo as bandeiras eleitorais subsidiárias tais
como raça, gênero e meio ambiente a ponto dos seus portadores, os
integrantes da pequena elite auto-referente diretamente envolvida na
disputa pelo poder mais a imprensa que fala por ela, descolarem-se
progressivamente do mundo real.
A
nomeação de Lina Khan dá-se dias depois do anuncio do “21st Century
American Industrial Strategy” por Brian Desse, o diretor do Conselho
Nacional de Economia de Biden, que instalou oficialmente a preocupação
com a crescente dependência da China e das cadeias de produção
globalizadas como a maior vulnerabilidade estratégica dos Estados
Unidos, no que foi interpretado como “o primeiro chamamento para a
reversão da globalização”, que será animada pelos pacotes de trilhões de
dólares de Biden.
É Estado contra Estado. Mas nos Estados Unidos isso ainda tem um sentido muito diferente do que tem no resto do mundo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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