Vendo sua margem de manobra se estreitar, ele parece cada vez mais desesperado. Fernando Gabeira para o Estadão:
É
um certo desperdício usar um pensamento de Isaac Deutscher para
analisar a extrema direita. Mas, como ele dizia, cada vez que a margem
de manobra política se estreita as pessoas começam a fazer bobagens,
independentemente até de seu nível de inteligência.
A
extrema direita mundial vive um momento difícil. Eslovênia, Hungria,
Polônia e agora o Brasil, todos estão às voltas com uma conjuntura
negativa. E de certa forma o fracasso diante da pandemia foi fator
decisivo nas eleições americanas, contribuindo para a derrota de Donald
Trump.
Na
Eslovênia cai a popularidade do governo, na Hungria forma-se uma ampla
coalizão contra Viktor Orbán e na Polônia o governo está sendo empurrado
para posições mais à esquerda.
Aqui,
no Brasil, Bolsonaro está com toda a carga negativa sobre ele. Não
conseguiu atender às frustrações sociais que o levaram ao governo,
tornou-se órfão de Trump e realizou uma política letal no campo
sanitário. O País não só ultrapassou os 500 mil mortos, como deve
superar os Estados Unidos nessa contagem fúnebre.
Bolsonaro
já não é muito hábil politicamente. Mas vendo sua margem de manobra se
estreitar parece cada vez mais desesperado, a ponto de agredir
verbalmente jovens repórteres no exercício de sua função.
O
avanço da CPI da pandemia tem representado também uma grande derrota
para a tese negacionista de Bolsonaro. Aos poucos vai se definindo algo
que para alguns já foi obviamente demonstrado: a política do governo
contribuiu para muitas mortes no País.
Outro
fator de estreitamento são as próprias alianças políticas. O grupo que o
apoia no Parlamento sabe explorar o espaço, aberto pelo início das
grandes manifestações populares contra ele. Ainda não o suficiente para
derrubá-lo, elas já representam importante agregação de valor ao apoio
fisiológico: quanto mais gente na rua, mais cara se torna a amizade com o
Centrão.
O
mundo que o bolsonarismo encontrou ao chegar ao poder não mudou para
melhor, ao contrário, as frustrações se aprofundam. Grande parte da
juventude brasileira, por falta de horizonte, quer deixar o País. Isso
significa que as possibilidades de derrota de Bolsonaro são grandes, mas
algumas das causas que o levaram ao poder não foram removidas.
Assim
como lá fora surgem alianças às vezes surpreendentes, como a de Israel e
agora a da Hungria, aqui, no Brasil, a possibilidade de unificação do
campo oposicionista também é, potencialmente, considerável. Em primeiro
lugar, as próprias manifestações de rua, no seu crescimento, precisam
atrair novas forças de oposição, ganhar uma cara de unidade nacional que
transcende o poder da esquerda. Em segundo lugar, está o próprio futuro
pós-Bolsonaro. Seria razoável enfrentá-lo sem levar em conta os
mecanismos que impulsionaram sua ascensão?
Algumas
dessas frustrações já estavam latentes no grande movimento popular de
2013. Ele é certamente interpretado de muitas maneiras. Mas havia nele
um certo descontentamento diante dos serviços públicos, muito aquém da
expectativa dos pagadores de impostos.
Depois
de uma vitória nacional, a extrema direita não vai desaparecer.
Provavelmente será reduzida a uma dimensão mais real, uma força
minoritária, ainda que ruidosa.
Sempre
haverá, daqui para diante, a compreensão de que ela não pode ganhar o
governo, o que determina uniões republicanas, como na França, prontas
para derrotá-la caso chegue ao segundo turno.
Derrotá-las
nas urnas, porém, não vai resolver o problema. É necessário buscar uma
estabilidade dificilmente ao alcance de uma força política única.
Collor
não tinha partido, assim como Bolsonaro. Os presidentes que tinham
partidos atrás de si acabaram tendo de fazer coalizões que trazem uma
falsa estabilidade, uma vez que garantem votos, mas arruínam a
legitimidade diante da opinião pública.
Programa
e instrumento adequado de governo são temas ainda indefinidos na era
pós-Bolsonaro. Não creio que seja algo muito extemporâneo. Na medida em
que cresce a oposição a Bolsonaro, certamente são questões importantes. O
interessante ao concluir um período como esse seria iniciar um grande
estudo não só dessas, mas de todas as grandes questões que nos possam
dar uma sensação de caminhar para a frente, sem esbarrar de novo nesse
fantasma regressivo e autoritário que assombra a nossa História
contemporânea.
Apesar
do sofrimento humano e da devastação ambiental, a ascensão de Bolsonaro
é também um período de aprendizado. Supor que vamos simplesmente voltar
ao período anterior a ele, como se nada tivesse acontecido, é muito
perigoso, pois pode nos trazer Bolsonaro de novo, ou alguma composição
ainda pior que ele, por mais absurda que possa parecer essa hipótese.
Tudo
isso tem um sentido maior, porque não estaremos concluindo apenas um
período político. Estaremos vivendo um momento pós-pandemia. Não me
lembro historicamente de outro tão estimulante como o pós-guerra na
Europa. Muitas certezas cairão por terra, novas ideias afloram, seria um
certo contrassenso reiniciar com fórmulas que já não respondem ao
desafio do presente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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