País deve acompanhar a evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial, aponta o diplomata Rubens Barbosa em artigo publicado pelo Estadão:
Grande
parte das facilidades da nossa vida no planeta Terra depende, para seu
funcionamento diário, de objetos baseados no espaço. Sistemas de
comunicação, transporte aéreo, comércio marítimo, serviços financeiros,
monitoramento de clima e defesa dependem da infraestrutura espacial,
incluindo satélites, estações terrestres e movimentação de dados em
âmbito nacional, regional e internacional. Essa dependência apresenta
sérios – e frequentemente pouco percebidos – problemas de segurança para
empresas provedoras e para os governos.
Nesse
cenário, começam a ser examinadas novas ameaças de ataques aos
satélites em órbita que podem afetar todos os serviços e facilidades
mencionados. Essas ameaças devem estar sendo avaliadas pelo governo
brasileiro. Além disso, a utilização do Centro de Lançamento de
Alcântara (CLA), no Maranhão, tornada possível depois de décadas de
decisões equivocadas, representa um grande desafio para o governo e as
empresas brasileiras. Não só pela necessidade de melhoria na
infraestrutura da região e do próprio centro, mas também na legislação
interna, sobre uma lei do espaço (que defina as atividades comerciais no
espaço, como a utilização de detritos espaciais), sobre o órgão
responsável pela negociação com empresas interessadas na utilização do
CLA, a definição do contrato de licenciamento de lançamento, a ser
assinado com a autoridade nacional e o comércio de tecnologia espacial.
Como
qualquer outra infraestrutura digitalizada, satélites e outros objetos
baseados no espaço são vulneráveis, em especial, a ameaças cibernéticas.
As vulnerabilidades cibernéticas apresentam riscos muito sérios não só
para esses objetos, mas também para infraestruturas essenciais
terrestres. Se não forem contidas, essas ameaças poderão interferir no
desenvolvimento econômico global e, por extensão, na segurança
internacional. Cabe registrar que essas preocupações não são meramente
hipotéticas. Na última década mais países e atores privados conseguiram
adquirir e empregar meios para afetar esses objetos espaciais críticos
com aplicações inovadoras que começam a representar uma ameaça real ao
seu funcionamento.
A
ideia da guerra espacial não é nova, começou com os foguetes V-2 da
Alemanha. A eventual atividade bélica no espaço hoje se concentra nos
instrumentos utilizados para as guerras na Terra. Os satélites são
utilizados nas operações militares para identificar alvos e responder a
questões estratégicas, além de localizar as forças militares e bombas e
obter informações nos teatros de guerra. Isso torna os satélites alvos
atrativos para mísseis terrestres. EUA, China e Índia estão
desenvolvendo armamentos destrutivos de objetos no espaço, visando a
impedir os sinais para a Terra dos satélites militares com lasers ou
mesmo os explodindo, fazendo detritos se espalharem pelo cosmo. Estão
também tornando suas Forças Armadas voltadas para o espaço. Em 2019 foi
criada pelo governo dos EUA a Força Espacial, serviço militar
independente cujos doutrina, treinamento e capacidade estão sendo
definidos pelo Pentágono.
Para
tentar evitar uma lei da selva espacial começa a ser discutido algum
tipo de regime multilateral. No momento não há leis nem normas
específicas para uma eventual guerra espacial. O Tratado sobre o Espaço
Exterior, de 1967, proíbe a utilização de armas de destruição em massa
no espaço, mas não trata de armas convencionais. Se dois satélites, por
exemplo, ficam muito próximos de maneira ameaçadora, não há respostas
adequadas. Em 2008 a União Europeia propôs um código de conduta
voluntário para promover “comportamento responsável” nessa área. No
mesmo ano, para se contrapor a essa iniciativa, China e Rússia
propuseram um tratado que proibiria armas no espaço. O tratado não
visava armas antissatélites, mas armas antimísseis baseadas no espaço. A
oposição à iniciativa europeia, além da Rússia e da China, veio da
América Latina e da África. Apesar de apoiar a desmilitarização do
espaço, os países dessas regiões não aceitaram que os países com objetos
no espaço pudessem ter o direito de usar a força para defendê-los.
Nenhuma das duas iniciativas prosperou, mas experimentos militares com
fins ofensivos continuam a ser feitos visando à eventual destruição de
satélites que poderão ter efeitos devastadores para a defesa e as
comunicações globais.
O
governo brasileiro não poderá perder de vista as transformações
positivas que ocorrerão na área aeroespacial pela redução de custos, por
novas tecnologias e, sobretudo, pelo aparecimento de uma nova geração
de empresários privados operando ao lado dos governos. Turismo para os
ricos e mais avançada rede de comunicações para todos, exploração
mineral e transporte de massa passarão a ter um impacto nos negócios e
tornarão o espaço uma verdadeira extensão da Terra. Com visão de futuro,
o Brasil, que passará a ter interesses concretos nesse campo, deveria
fazer o acompanhamento da evolução tecnológica e geopolítica da
exploração espacial.
Sem
descurar das novas ameaças que começam a ser discutidas agora e poderão
afetar as facilidades terrestres de que dispomos, o Brasil deveria
participar dessas conversações, quando retomadas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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