O efeito da previsão de vitória peronista foi catastrófico para a
Argentina, mas o presidente que seria uma alternativa racional acabou
como mais do mesmo, resume Vilma Gryzinski:
Dólar a mais de 60 pesos, inflação a mais de 100%, risco país a mais
de 2 200 pontos e “reperfilamento” da dívida externa, um jeito mais
elegante de dizer que a Argentina não tem como pagar.
Vai dar calote. Não tem como pagar 101 bilhões de dólares, para o FMI e outros credores.
Quantas vezes isso já aconteceu antes? Nove.
Desvalorizações catastróficas?
O economista americano Steve H. Hanke enumerou os anos em que houve
“colapsos importantes” do peso argentino: 1876, 1890, 1914, 1930, 1952,
1958, 1967, 1975, 1985, 1989, 2001 e 2018.
Nada surpreendentemente, muitos desses anos coincidem com governos
naufragados, golpes de estado, presidentes em fuga ou entregando o
mandato antes da hora, eleições que trouxeram um “salvador da pátria”
que, obviamente, não salvou nada.
Entre outras qualificações, Hanke dirige o autoexplicativo Projeto Moedas Problemáticas do Cato Institute.
Ele defende a dolarização, já que os argentinos a usam na prática,
fugindo do peso na tentativa de sobreviver a cada derretimento da moeda,
o abismo que devora tudo o que as pessoas têm e o que não têm também,
inclusive a comida na mesa.
Desde que a chapa criada por Cristina Kirchner, com ela como
candidata a vice e Alberto Fernández na cabeça, ganhou as eleições
primárias por uma diferença considerada inalcançável, de 15 pontos, na
eleição de outubro, o peso teve mais de 20% de desvalorização.
Num ciclo cruel, quanto mais a vitória peronista parece consagrada,
pior fica a vida de Mauricio Macri. E do país inteiro, evidentemente.
O breve intervalo aberto pelo diálogo entre Macri e Fernández para
estabilizar a crise, nada surpreendentemente, durou pouco. Fatos são
mais expressivos do que boas intenções, reais ou fingidas.
Fernández e sua turma tentam não rir demais nem esfregar as mãos em público, mas está difícil.
Cristina Kirchner sumiu no meio da crise. Foi para Cuba, visitar a
filha, Florencia, que tem uma doença devastadora: linfedema sem causa
conhecida nas pernas.
A doença é mais conhecida pelos efeitos que causa em mulheres com
câncer de mama que tiram os gânglios linfáticos e ficam expostas ao
inchaço extremo do braço envolvido.
A relação entre mãe e filha sofreu com as investigações e as ações
penais por corrupção, lavagem de dinheiro e outros conhecidos crimes do
gênero, inclusive nos negócios da família.
Cristina e o filho e operador, Maximo Kirchner, são protegidos pela imunidade parlamentar dos mandados de prisão, Florencia não.
Enquanto Alberto Fernández procura passar a imagem de moderado –
comparativamente, claro – que não vai fazer loucuras na economia e quer
que a loja chegue aberta até outubro, o pessoal de Maximo Kirchner toca o
terror com protestos de rua.
Choque de “gradualismo”
A corrente liderada por Maximo se chama La Cámpora. Só isso já dá uma ideia dos choques internos que estão por vir.
Héctor Cámpora foi o mais conhecido poste da história da Argentina,
eleito presidente em 1973 porque Juan Domingo Perón ainda estava
proibido de se candidatar.
Cámpora, um dentista alinhado com uma das muitas correntes esquerdistas da peronismo, renunciou em um mês e meio.
Em menos de dois anos, sucederam-se os seguintes fatos: Perón voltou,
foi eleito presidente, morreu, sua mulher e vice assumiu, esquerdistas e
direitistas (estes sob controle do guru do casal) começaram a se matar
nas ruas. Em 24 de março de 1976, os militares deram o golpe.
Com todo o histórico de catástrofes desencadeadas por dirigentes
peronistas, é importante tentar entender, na crise atual, o que é
herança do passado, o que foi açulado pelo prognóstico de vitória de
Fernández-Kirchner e o que pode ser colocado na conta de Macri.
A derrota tem muitos culpados. As críticas, pela direita, ao
presidente são, agora, praticamente unânimes: não fez o que tinha que
fazer, não procurou equilibrar o déficit público, não aplicou os
remédios liberais clássicos.
Ficou preso no “imobilismo reformista” ou no “gradualismo”, duas
designações comportadas. Fazer mais do mesmo prendeu seu governo numa
armadilha.
O economista espanhol Juan Rallo resumiu implacavelmente as etapas do percurso perdedor de Macri.
Primeiro, levantou o controle cambial sem tocar no déficit público,
com o resultado de acelerar a desvalorização da moeda e a inflação
herdada do cristinismo, já alta, embora maquiada.
Depois, voltou a buscar financiamento nos mercados globais, ajudado pela imagem positiva, racional e afinada com a realidade.
Imagem ajuda, mas não paga contas. O pedido de ajuda ao FMI
incentivou a deterioração dos prognósticos sobre a capacidade argentina
de se manter acima da linha d’água.
“Inflação alta, depreciação cambial e recessão econômica foram as
‘medalhas’ com que Macri disputou as eleições: uma combinação perfeita
para perder frente à oposição peronista”, descreveu Juan Rallo.
“Teve a oportunidade de desmontar a estrutura clientelista-peronista,
vai embora com o rabo entre as pernas devido ao fracasso de sua
política econômica.”
Claro que, pelo ângulo crítico da esquerda, Macri foi “neoliberal”.
É profundamente doloroso ver a Argentina afundar em outra crise.
E ainda por cima com Mauricio Macri, um multimilionário que,
obviamente, queria fazer o melhor, romper o quebranto histórico que
amarra nossos países, ser reeleito, se não da forma inebriante da
primeira vez, pelo menos como garantia de que a história não vai ficar
se repetindo.
Macri tem conhecimento dos fatos essenciais, trânsito nas elites globais e o respeito de muitos argentinos.
Se não deu certo, quais as chances de outros?
Sensibilizado, Macri chorou de novo quando uma manifestação de
improviso o levou, de noite e sem microfones, ao balcão da Casa Rosada,
ao lado da mulher linda e chiquérrima.
“Não voltarão” e “Cristina presa”, gritava a multidão.
Adivinhem quem está planejando que a vingança será maligna.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário