O caso do arcebispo abusador que Francisco reintegrou à Igreja está
difícil de abafar porque foi denunciado por uma figura importante, com
testemunho direto. Artigo de Vilma Gryzinski (Veja.com):
Um cardeal amigado com um pastor protestante, um monsenhor que
prefere ser chamado de “Jessica”, apartamentos luxuosos em todo o
Vaticano bombando de garotos de programa vestidos de couro negro.
Um padre brasileiro que denunciou seu abusador, um americano da
cúpula da Igreja, muitos anos depois dos acontecimentos, atormentado
pelo fato de que a experiência traumatizante o levou a “tocar de maneira
imprópria” dois jovens de 15 anos. A repetição do ciclo
abusado-abusador parece uma constante.
E, claro, o ressurgimento de uma fofoca conhecida por “todo mundo” na
Santa Sé: o poder do lobby gay, também conhecido como máfia lavanda,
explodiu durante o pontificado de Paulo VI. O qual escolheu seu nome
como papa não em homenagem ao santo apóstolo, mas a seu amante, o ator
Paolo Carlini.
Intrigas antigas ou recentes estão fervilhando como nunca na Igreja
de Cristo, nascida, em grande medida, em contraposição aos costumes do
mundo grego e romano, onde a homossexualidade e a pederastia – sexo
entre um homem mais velho e um menino – eram amplamente praticadas.
Verdades, mentiras e suspeitas humilham seus fiéis, acirram disputas
entre as diferentes correntes internas e fazem a alegria de seus muitos
inimigos.
Entre os inúmeros defeitos teológicos e ideológicos do papa
Francisco, nunca tinha aparecido uma intenção deliberada de abafar os
incontáveis escândalos de pederastia envolvendo homens que fazem
voluntariamente o voto de castidade e são ordenados como representantes
de uma religião que condena a homossexualidade.
Ao contrário, ele sempre denunciou o pecado mortal sem atenuante do
abuso mais cruel que pode existir, o de crianças e jovens confiados a
religiosos pervertidos.
Até que apareceu a detalhada e perturbadora denúncia de Carlo Maria
Viganò, arcebispo aposentado que foi núncio apostólico em Washington –
por motivos óbvios, o mais importante cargo da diplomacia do Vaticano,
excetuando-se o secretário de Estado.
MODUS OPERANDI
Diz, em resumo, o detalhado documento chamado “memorial”, entregue a
vaticanistas italianos e estrangeiros de confiança do arcebispo:
Francisco suspendeu o “exílio” imposto pelo antecessor, Bento XVI, ao
cardeal americano Theodore McCarrick, arcebispo de Washington, depois de
praticamente uma vida inteira se jogando para cima de seminaristas e
padres recém-ordenados.
Segundo Viganò, ele havia alertado pessoalmente o papa argentino há
mais de cinco anos – exatamente no dia 23 de junho de 2013 – que existia
um dossiê enorme sobre os abusos de McCarrick, denunciados, entre
outros, pelo padre brasileiro não identificado.
O modus operandi do americano ia do soft – o aplique da cama
compartilhada com seminaristas numa casa de praia, sempre acompanhado de
um pedido de massagem – ao hard – um menino, filho de um amigo, abusado
por longo tempo, a partir dos 11 anos de idade.
Com base nisso, o papa Bento XVI determinou que ele abandonasse as
atividades públicas e se recolhesse até o fim da vida num convento, em
oração e penitência pelos muitos pecados.
Bento deu a ordem em particular, muito provavelmente para não
aumentar ainda mais o escândalo sem fim dos casos de abuso praticados na
Igreja dos Estados Unidos. McCarrick simplesmente não obedeceu.
Com a extremamente excepcional abdicação de Bento XVI, McCarrick, um
refinado especialista em incentivar a generosidade dos católicos
americanos, hoje os grandes financiadores da Igreja, passou a circular
com mais desenvoltura.
Já bem passado da idade limite da aposentadoria como arcebispo, 75,
viajava muito pelo mundo, em missões religiosas e, principalmente,
orçamentárias. Foi a Israel durante a visita do papa em 2014.
Unidos pelo gosto interminável pela conversa, a famosa milonga
argentina, o arcebispo de origem irlandesa e o ex-Jorge Bergoglio se
davam muito bem. McCarrick contava ter recebido um telefonema especial
do amigo logo depois de sua eleição pelo Colégio dos Cardeais,
preocupado com sua saúde em razão de uma internação cardiológica.
“Disse ao papa que o Senhor talvez ainda tivesse trabalho para me dar.”
“Ou talvez o diabo ainda não tenha preparado seus aposentos”, respondeu Francisco.
VIÚVA NEGRA
Se for este o problema, agora devem estar tinindo. Em 28 de julho
último, aos 88 anos, renunciou à honraria de cardeal, um ato
extremamente raro. O escândalo estava incontrolável.
A denúncia de Viganò conferiu-lhe um aspecto sem precedentes ao
envolver diretamente Francisco não apenas em negligência, espírito de
corpo e abafamento, as culpas de seus predecessores que tentaram
resolver “por dentro” os casos mais notórios, pagando indenizações aos
denunciantes e simplesmente afastando denunciados de seus postos.
Acusado de revanchismo, ressentimento, divergência doutrinária,
aliança com a ala mais conservadora ou hipocrisia, por ter cruzado
suavemente com McCarrick em eventos públicos quando disse já saber de
suas abominações, Viganò, oriundo de uma família milanesa de posses, diz
que agiu simplesmente convencido de que a Igreja corre enormes perigos.
Quando Francisco foi eleito, a esquerda argentina o acusou de
dedo-duro da ditadura militar, com base nas denúncias sólidas de dois
padres jesuítas – seus subordinados, portanto – presos e torturados por
fazer contatos e outras formas de colaboração com esquerdistas armados.
Em poucos dias, o governo de Cristina Kirchner percebeu que era muito
mais vantajoso celebrar um papa argentino do que comprar briga com ele.
Com seu figurino de viúva negra e até chapéu, ela foi ao Vaticano para a
missa de entronização.
As críticas sumiram. Quando Francisco começou a fazer um discurso
“progressista”, todos os tradicionais adversários da Igreja tornaram-se
fãs incondicionais.
Aproximaram-se do êxtase quando ele argumentou que representantes da
Igreja não deveriam focar com ênfase assuntos como aborto,
homossexualidade e indissolubilidade do matrimônio.
O racha mais evidente do momento é justamente sobre as posições
manifestadas num documento sobre a vida familiar católica. A denúncia de
Viganò colocou o confronto em fase aguda. A expressão “guerra civil”
começou a pipocar.
ARGENTINOS ACELERADOS
O debate na Igreja entre as duas forças antagônicas, as necessárias
adaptações e a universalidade e imutabilidade de seus fundamentos, é
praticamente eterno. O lobby gay, ou máfia lavanda, não é
necessariamente alinhado em massa com a ala mais liberal. O próprio
Francisco reconheceu que ele existe – e nunca mais falou no assunto.
A ala conservadora ativamente antipapa é minoritária, embora tenha a
força das minorias e apele a grupos mais profundamente comprometidos com
a religião.
Pregar a abdicação do papa, uma mensagem antes confinada a uma
minoria dentro da minoria, saiu, com o último escândalo, do território
dos que preferem a acusação de heréticos à de coniventes com a
autodestruição de uma instituição de dois mil anos.
E adicionou uma questão inesperada: quem vai acabar primeiro da lista de argentinos famosos?
Com a honrosa exceção de Messi, a coisa está preta. Cristina
Kirchner, Mauricio Macri e Jorge Bergoglio caminham aceleradamente para
desfechos complicados.
Há pouco mais de cinco anos, quando o papa foi eleito, estavam todos
no céu. Cristina ainda desfrutava da alta aprovação dos populistas à
moda latino-americana, embora rolasse solta a organização criminosa
chamada governo cujas diabruras podem levar à sua prisão, mesmo com
mandato de senadora.
Mauricio Macri preparava a campanha eleitoral que o levaria,
espetacularmente, à presidência como um político novo, promissor e
racional. Não é completamente impossível que sequer termine o mandato,
incinerado pelo buraco sem fundo da catástrofe cambial (batendo no
portal dos 40 pesos por dólar, taxa de juros a 60%).
E Francisco, celebrado como uma lufada de ar fresco, com seus sapatos
gastos e modos estudadamente modestos, agora carrega a cruz da
conivência escancarada com os piores dos pecadores.
Ainda bem que dois mil anos de história continuam a ter um peso diante do qual até os paroxismos argentinos empalidecem.
Tão falante e expansivo, de hábito, o papa Bergoglio, que diz sem
detalhes ter tido uma revelação divina direta na juventude, precisa com
urgência dar um testemunho de verdade e honradez. Fé, nessas horas,
também não atrapalha.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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