É a censura ideológica esquerdista: "bandeira, hino, patriotismo, país
com fronteiras demarcadas, nacionalidade e até cultura nacional são
inimigos dos progressistas". Texto de Vilma Gryzinski, via coluna Mundialista:
Ter feito um dos mais insuportáveis filmes da história do cinema, La
La Land, qualificou o diretor Damien Chazelle para novos
empreendimentos.
Seu último filme, First Man, baseado na extraordinária vida de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, consegue o prodígio de eliminar a cena em que o astronauta coloca a bandeira americana
fantasmagoricamente imóvel, com a vareta horizontal um pouco ondulada,
no ambiente (quase) sem atmosfera e com 17% da gravidade do planeta mãe.
Todo o programa espacial americano evidentemente existiu, acima de
tudo, como uma prodigiosa campanha de propaganda na qual a ciência
estava a serviço de comprovar a superioridade do sistema americano sobre
o soviético.
Em suma, colocar a bandeira americana era o ponto fundamental da
missão lançada em julho de 1969. Chazelle poderia dizer que abomina esta
história de bandeira, patriotismo, mão no coração etc.
Especialmente no momento atual, em que tudo isso está identificado com a turma que elegeu e continua a apoiar Donald Trump,
para desespero de todas as elites dominantes que consideram qualquer
manifestação do gênero uma prova de atraso, burrice e, nas palavras
sempre destrameladas, fascismo.
Mas o diretor, plenamente preparado para defender suas posições
(estudou em Harvard) preferiu mentir a respeito da bandeira surrupiada.
“Sobre a questão de que isso é uma declaração política, a resposta é
não. Meu objetivo com este filme foi dividir com o público os aspectos
não vistos e não conhecidos da missão.”
DISSONÂNCIA COGNITIVA
Ryan Gosling, o ator que interpreta Armstrong, trolou os americanos
que não gostaram da bandeira desaparecida. Como canadense, disse, talvez
tenha uma “dissonância cognitiva” em relação ao assunto e prefere ver a
missão como “uma conquista humana”.
Além disso, o bonitinho Gosling, que começou a carreira como ator
infantil no Disney Channel, tem certeza que Armstrong não se considerava
“um herói americano”.
Errou de palavra: o astronauta, piloto de guerra e engenheiro
aeroespacial, que preferia morar num sítio em Ohio e dar aula na
universidade da região (teve um dedo, perdido no trator, reimplantado)
não gostava de ser chamado de herói. Era do tipo que não considera que
está salvando o mundo porque diz coisas pelo Twitter. Nunca reclamou da
parte “americano”.
Dá para imaginar um filme sobre a queda de Berlim sem a bandeira
soviética sendo hasteada no topo do Reichtag em 2 de maio de 1945?
A cena foi montada pelo fotógrafo Ievegni Khaldei (era ele quem
levava a bandeira, os soldados soviéticos estavam dedicados a saquear
tudo que pudessem), mas a imagem se tornou mais poderosa do que tudo.
A famosa cena de Iwo Jima, com os marines hasteando a Old Glory
depois da longa e sofrida tomada da ilha (6 800 mortos, quase 20 mil
feridos para os americanos) não foi propriamente forjada, A foto icônica
foi da segunda bandeira, maior, colocada para ser vista melhor no topo
da pequena ilha.
Fazer picuinha para os americanos mais conservadores num filme sobre o
primeiro homem na Lua é típico da autodenominada resistência contra
Trump.
“O governo Trump está abertamente endossando o nazismo e a supremacia
branca”, tuitou no ano passado, em tom caracteristicamente alucinado, o
diretor Chazelle. “A falência moral épica que agora testemunhamos vai
inspirar um novo ativismo. Posso ser ingênuo, mas vou tentar fazer tudo o
que puder.”
GAULESES FURIOSOS
Mas a questão, obviamente, transcende o atual quadro da política
americana. O renascimento do nacionalismo, em doses que vão da estóica
teimosia inglesa ao votar pelo Brexit ao extremismo nativista mais
sombriamente alemão, é uma consequência de fenômenos históricos
transformadores.
Instituições internacionais, sistemas integrados de estudos e
pesquisas e relações econômicas aceleradas incluídas no rótulo genérico
de globalização incentivaram a ascensão de elites supranacionais
desconectadas das realidades do estado-nação.
A União Europeia é o maior exemplo de todos. Nascida como uma mercado
comum para aço e petróleo, com a nobre missão de salvar a Europa de
novos surtos de autodestruição através da integração, sofreu um desvio
de função.
Como todo Leviatã burocrático, as instituições europeias passaram a
se considerar superiores aos cidadãos comuns, estes broncos que
precisavam ser gentilmente levados a fazer coisas que não queriam.
A tensão explodiu com as grandes ondas migratórias e a consequente contrarreação.
Aqui e ali, as verdadeiras convicções dos “cidadãos europeus”, os que
querem apagar fronteiras e identidades nacionais, deixam entrever o que
acham de verdade.
Em visita à Dinamarca, Emmanuel Macron, um europeísta acelerado, quis
elogiar os anfitriões da seguinte forma: “Os povos luteranos são
abertos a mudança, ao contrário dos gauleses aferrados a seus costumes.”
Ofender seus próprios cidadãos num país estrangeiro foi pouco. Macron
também enfiou a faca nos locais. “Não existem mais dinamarqueses de
verdade, já são europeus. O mesmo vale para os franceses.”
Para deixar os gauleses mais loucos da vida ainda, repetiu o que já
havia dito durante a campanha: “Não existe uma cultura francesa.”
Macron deve ter passado uma parte da vida discutindo isso como a
mulher/professora, mas na qualidade de pequeno gênio da política já
deveria ter percebido que não faz muito sucesso dizer que Racine,
Moliére, Descartes e Voltaire só apareceram de passagem no país.
PARACAIMA ALEMÃ
Talvez Macron ainda esteja um pouco desestabilizado pelo caso do
guarda-costas que colocou em funções oficiais e, potencialmente,
criminais, como bater em manifestantes sem ter autoridade policial.
Mas repetiu quase que literalmente o presidente alemão Frank-Walter
Steinmeir, ocupante de um cargo cerimonial, quando disse que “não
existem alemães” de verdade.
A preocupação comum tanto do jovem Macron quanto do veterano
Steinmeir é minimizar a enorme crise política desencadeada pela migração
em massa de populações vindas de países muçulmanos sem a mínima
intenção de se integrar ao estilo sócio-político de seus anfitriões.
As bandeiras alemãs que aparecem em grande quantidade nas ruas da
cidade de Chenmitz, em protestos contra o assassinato de um cidadão
local, esfaqueado por um sírio e um afegão, são um sinal de que as
coisas não vão muito bem para o lado dos antinacionalistas.
Como tudo o que acontece nessa área na Alemanha, neonazistas típicos tomaram a linha de frente dos protestos.
Mas o grande problema está nos cidadãos comuns, os que não têm ódio a
estrangeiros por motivos ideológicos nem ignoram o sofrimento dos que
fugiram de estados falidos para a Alemanha.
Ao mesmo tempo, revoltam-se com o aumento da criminalidade, o assédio
sexual em massa a mulheres, a transformação de cidadezinhas pacíficas
em campos de refugiados – e o acordo tácito das elites políticas e
intelectuais de que qualquer reclamação sobre isso tudo é um ato de
xenofobia a ser condenado.
Embora Chenmitz não é Paracaima, apesar de certos pontos em comum,
foi igualmente colocada na vala da xenofobia e estamos conversados. Só
quem apareceu para oferecer solidariedade e tentar faturar politicamente
foi o Alternativa Para a Alemanha’
As bandeiras, obviamente, são um símbolo cambiante que bondem servir a
diferentes funções. Quando impostas por regimes autoritários,
identificam-se com eles e podem se tornar objeto de repúdio. Quando
reprimidas como manifestação de nacionalismo, surgem em qualquer lugar,
desafiantes e teimosas.
Quando tiradas de um filme sobre o primeiro homem na Lua, um caipira
lá dos cafundós de Wapakoneta, Ohio, revelam mais sobre a desconexão
entre os fabulosamente bem sucedidos e bem pensantes e os americanos
comuns, que hasteiam a bandeira na frente de casa ou, quando convocados,
em algum lugar distante, seja a Europa ou a Lua.
Com respeito, mas sem grandes salamaleques. Uns sujeitos que nem
pensariam em usar a expressão “dissonância cognitiva” em referência a si
mesmos e dizem coisas simples, como “orgulho de ser americano”, a
hashhtag de Buz Aldrin,o segundo homem da missão, que postou uma foto,
aos 88 anos, na frente da imagem dele e Armstrong na lua. Com a
bandeira, claro.
Ou o próprio Armstrong, que disse certa vez que sempre seria um
engenheiro do tipo nerd, que usa “meias brancas e protetor de bolso para
caneta”.
Contra todas as expectativas, o filme parece que é bom. Se for
possível abstrair o fato de que o detentor original dos direitos de
filmagem era Clint Eastwood.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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