MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 2 de setembro de 2018

Educação, saúde, fome e imortalidade


Joaci Góes

Tribuna da Bahia, Salvador
16/08/2018 08:12
   


Ao velho e querido amigo Antônio Walter dos Santos Pinheiro.
É muito desalentador assistir como a problemática educacional figura em plano secundário, ou simplesmente é ignorada, na plataforma dos políticos que buscam nos representar. Mais grave é o argumento verdadeiro utilizado para explicar esse procedimento: a grande maioria do eleitorado só se sensibiliza por assuntos tangíveis e de curto prazo de execução, enquanto a educação é um processo invisível e de longa maturação. O resultado é o que todos nós assistimos: o Brasil, não obstante suas enormes riquezas naturais e grande mercado interno, ficando cada vez mais na rabada dos povos avançados, em matéria de bem estar geral para os seus filhos, em razão, sobretudo, do nosso péssimo padrão educacional. Todos os grandes problemas que nos afligem, como saúde, desemprego, insegurança pública, corrupção, impunidade, e precária infra-estrutura física decorrem, em última análise, de nossa deficiente educação pública, em todos os níveis.
Quem leu o notável livro do jovem historiador judeu Yuval Noah Harari, Homo Deus, se dá conta, entristecido, do caráter trágico dessa postura negligente, na sociedade do conhecimento em que estamos imersos, ao deixarmos escorrer por entre os dedos as enormes possibilidades potenciais de que dispomos para fazer do brasileiro um povo próspero, como as mais avançadas nações, e feliz, a exemplo da pequena Costa Rica.
Vejamos como não temos sabido tirar partido da fortuna de não havermos sofrido, na mesma extensão e intensidade, dos três males que assombraram a humanidade por séculos, ameaçando-a de extinção: a fome, as pestes e as guerras.
Enquanto em fins do Século XVII, na França de Luís XIV (o Rei Sol), para não perecer por inanição, a população comia, literalmente, tudo que aparecesse à sua frente, e o Monarca flertava com suas amantes em Versalhes, 15% da população do país morria de fome. Em termos relativos, seria como desaparecerem trinta milhões de pessoas, no Brasil de hoje. No ano seguinte, na Estônia, a tragédia foi maior: ali, morreram 20% da população total, o mesmo acontecendo com a Finlândia, nos três anos seguintes. Na trágica sequência, chegou a vez da Escócia. É provável que nenhum dos leitores deste artigo já tenha passado um dia, sequer, sem comer, para que tenha condições de avaliar, a partir da experiência, a dimensão do sofrimento de viver com fome, cronicamente subnutrido, na incerteza de ter o que comer a cada dia.
Hoje, só como exceção, numericamente inexpressiva, morre-se de fome. Morre-se, muito mais, de subnutrição e, sobretudo, por excesso de comida de má qualidade. O fast-food e os refrigerantes que o digam. Matam mais, silenciosamente, do que qualquer outro mal, como guerras, acidentes, homicídios, suicídios ou qualquer doença, isoladamente considerada, como o câncer ou as doenças coronarianas.
As pestes foram outro flagelo sempre à espreita para dizimar famílias e agrupamentos humanos de todos os tamanhos, a começar pela Peste Negra, provocada pela bactéria Yercinia Pestis que na década de 1330, através de pulgas e ratos, matou na Eurásia entre 75 e 200 milhões de pessoas, mais de um quarto da população total. Na Inglaterra, o corte foi ainda mais alto com 40% da população dizimada. Outras pestes fizeram estragos ainda maiores, mundo afora, chegando a matar 90% das populações aborígenes, como aconteceu no México dos Astecas e na Polinésia, com a chegada dos espanhóis, no Século XVI, e dos britânicos, no Século XVIII. A gripe espanhola, há cem anos, foi o último grande flagelo provocado por vírus e bactérias. Desde então, a medicina tem sido crescentemente eficaz na contenção de males potencialmente devastadores, apesar do crescente favorecimento da propagação das doenças por dois fatores conjugados: o adensamento populacional das cidades e a melhoria dos transportes para levar os agentes patogênicos aos pontos mais distantes do seu lugar de origem. Inúmeros males têm sido erradicados ou contidos, como aconteceu com a mortalidade infantil provocada por múltiplas causas, com a varíola, com a Síndrome Respiratória Aguda, a Gripe Aviária, a Gripe Suína e o Ebola. A AIDS, que surgiu com ares apocalípticos, deixou de conduzir à morte certa para se transformar em doença crônica, sob o continuado processo de controle redutor de seus efeitos. O resultado de tudo isso é o incessante crescimento da média de vida das pessoas, com fundadas especulações sobre a possibilidade da superação da morte. Já teriam nascido os que viverão além dos 150 anos!
O terceiro flagelo, os conflitos bélicos, foram, sempre, um componente inseparável das expectativas humanas, até o fim da Segunda Grande Guerra, a partir de quando as mortes por homicídios, suicídios, acidentes de carro e excesso de comida superaram, em muito, as ocorridas em campos de batalha. É improvável a expansão para níveis globais das guerras localizadas que hoje envolvem nações do Terceiro Mundo.
Enquanto isso, em lugar de colaborar para transformar as enormes riquezas naturais que possuímos em bem estar do povo brasileiro, uma considerável parcela de nossa população, formada, majoritariamente, por incultos, corruptos e oportunistas, de costas para o papel redentor da educação, forceja para assegurar a impunidade dos que se cevaram no Erário e abalaram os alicerces da República, pugnando, vergonhosamente, por trazê-los de volta à ribalta política.
As eleições que se aproximam representam para o Brasil o desafio de responder ao maniqueísmo shakespeariano: To be or not to be!

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