Ao longo da minha vida de repórter, estudante de Direito e advogado, vi de perto a atuação de advogados notáveis no Tribunal do Júri do Rio: Sobral Pinto, Laércio Pelegrino, Newton Feital, Leopoldo Heitor, Luis Bráz, Alfredo Tranjan… Eram emocionantes. Tinham o dom da palavra fácil e dominavam, como ninguém, a arte cênica, que todo advogado criminalista que atua no Tribunal do Júri precisa ter, mesmo que a causa lhe seja adversa. O Tribunal do Juri não é palco para advogado tímido.
Na década de 60, fui transmitir ao vivo para a Rádio Continental do Rio, o julgamento de Leopoldo Heitor na cidade de Rio Claro, interior fluminense. Três advogados atuaram em sua defesa: Rovane Tavares, Eurico Rezende e o próprio Leopoldo Heitor. E quando chegou a vez de Leopoldo falar para os jurados, me ficou viva na memória esta passagem, que mais de meio-século depois não me esqueci.
Com voz firme e retumbante, bradou: “Ah! Araguari, Araguari, cidade de minha terra natal que é Minas Gerais! Que vergonha para vossos filhos quando mandastes para o cárcere aqueles dois pobres coitados, um morto no cárcere, outro sobrevivido do cárcere e ambos acusados de assassinato de um homem e que por isso foram condenados. E anos depois, a vítima que eles teriam matado, apareceu viva na cidade de Araguari”.
(Leopoldo Heitor, que respondia pela acusação de ter sido o autor da morte de Dana de Teffé, se referia ao caso dos Irmãos Naves, o maior erro judiciário da História deste país).
JANAÍNA PASCHOAL, OUTRO TALENTO
Acreditava que, depois deles, não haveria mais advogado igual. Ontem, porém, depois de assistir falar a advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, que ao lado de Miguel Reale Junior e Hélio Bicudo assinou a denúncia, voltei a ficar empolgado. E relembrei o passado.
A advogada e professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) falou à Comissão Especial do Impeachment com desenvoltura. Falou de improviso. Não consultou uma anotação sequer. Com didática inigualável e o mais profundo e completo conhecimento do Direito Penal e da causa que defendia, Janaína fez calar 65 deputados titulares e outros tantos suplentes.
Sua explanação foi mais do que perfeita. Não deixou uma pergunta sem resposta. E resposta impossível de ser rebatida ou replicada. Simples, bela, sem a menor vaidade, vestida de branco, sem uma pintura e com um vocabulário de dar inveja, a professora e doutora Janaína brilhou. Sabia tudo e de tudo sabia. Tinha convicção do que dizia, do que escreveu na denúncia que gerou o impechment.
A NOBREZA TAMBÉM PEDE PERDÃO
Teve um momento, durante sua exposição, que a doutora Janaína, sem perder o tom e o encadeamento do seu raciocínio expositivo, disse a um parlamentar que ostentava um cartaz: “Deputado, o senhor vai cansar o braço”. Por isso foi advertida pelo presidente da Comissão, que lembrou que ali era permitida a manifestação por parte dos parlamentares. E, de imediato, a nobreza da doutora Janaína pediu “perdão”. Repetiu três vezes, perdão, perdão e perdão, tão acima estava daqueles que a ouviam.
Um pedido de perdão que não era necessário. A doutora Janaína bem que poderia ter respondido à presidência: se aos deputados é concedido o direito de manifestação, com muito mais direito, legitimidade e autoridade, têm também seus eleitores o direito de se manifestarem. E Janaína ali, além de advogada, era eleitora também como todos somos.
TODOS OS CRIMES DE DILMA
Mas a professora universitária e advogada preferiu não gerar polêmica no plenário da Comissão. Ela sabia que seu tempo era precioso para gastar com bate-boca inútil e desnecessário. E tocou em frente. Mostrou, tim-tim por tim-tim, todos os crimes que Dilma cometeu, crimes comuns e crimes de responsabilidade, no governo passado e no presente exercício de seu governo. Não ficou pedra sobre pedra.
Em outro momento, ao dizer que Dilma tomou medida “no calar da noite”, houve reação da platéia. E, com sabedoria e talento, consertou: “no calar do final do ano, então”.
APENAS UM TRECHO
“A responsabilidade fiscal neste governo infelizmente não é um valor. Mas se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa pode ser mantido. Vossas Excelências não imaginam a dor das famílias que acreditaram que iam ter seus filhos terminando a faculdade e estão começando a receber cartinha de que, ou eles pagam, ou eles perderam esse sonho. Então, a situação é muito grave. Aqui não tem nada a ver com elite, com não elite. Tem a ver com povo enganado. Tem a ver com povo enganado que agora não tem mais as benesses que lhes foram prometidas quando quem prometeu já sabia que não podia cumprir”.
É um trecho, uma passagem, da exposição perfeita e verdadeira que a advogada criminalista e professora de Direito Penal da USP fez ontem aos integrantes da Comissão Especial do Impeachment de Dilma Rousseff. Quem viu, não esquecerá jamais. Eu vi. Je suis Janaina Paschoal.
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