FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO – 29/5/2015
Marco Polo del Nero fala com a imprensa num auditório sem as marcas das patrocinadoras da CBF
Na última sexta-feira, logo após chegar da Suíça, de onde saiu corrido,
após a prisão de José Maria Marin, o presidente da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), Marco Polo del Nero, recebeu a imprensa. A
entrevista foi no mesmo auditório em que são feitas as convocações da
Seleção e onde ele falou no dia 16 do mês passado, após ser eleito para o
cargo. Mas o cenário era diferente. O banner com a marca dos
patrocinadores, que garantiram à entidade uma receita de meio bilhão de
reais no ano passado, não “decorava” o local.
Não foi esquecimento. Nem correria. A crise que envolve o futebol
mundial, e que tem o Brasil como um dos focos, pois o próprio Del Nero e
o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, são apontados como
co-conspiradores no documento que destrincha a corrupção na Federação
Internacional de Futebol Associado (Fifa) e foi produzido pelo FBI, nos
Estados Unidos, já afeta a maior indústria de entretenimento do mundo.
“Efetivamente, levando em conta o fato concreto, que é a volta corrida
do Marco Polo, a reeleição do Blatter, cada um está tentando salvar seu
quintal e gerenciar a crise. Sendo muito pragmático, a gente sabe que
essa estrutura está no poder há muito tempo e tem capacidade de se
manter. Mas esse medo da contaminação, que parte das parceiras, pode ser
um fator diferenciador. É a opinião pública, e o impacto disso sobre as
empresas, que pode ajudar a mudar a estrutura. Se o ônus passa a ser
maior que o bônus, a máquina pode emperrar de vez e acontecerem mudanças
significativas”, analisa Anderson Gurgel, doutor em comunicação
esportiva, professor da Universidade Mackenzie, em São Paulo, e autor do
livro Futebol S/A – a economia entra em campo.
MÁQUINA
Realmente, a maior crise de credibilidade da história do futebol
mundial pode emperrar a máquina. O poder na Fifa, que reúne mais países
que a ONU (209 a 193), ou na CBF, é garantido da mesma maneira, na base
do repasse de verbas a um colégio eleitoral que não se mantém sem essa
ajuda.
Se a relação com os patrocinadores for abalada, Joseph Blatter e Marco
Polo del Nero perdem a força financeira que ajuda ambos a se manterem
nos cargos.
Entidades não seguram parceiras sem mudança de postura
O primeiro grande sinal do risco que a Fifa corre partiu da Visa, uma
das patrocinadoras mais fortes da entidade e que faz a venda exclusiva e
prioritária de ingressos da Copa do Mundo para seus clientes. Mas
gigantes como Coca-Cola e Hyundai também manifestaram publicamente o
descontentamento com a crise.
“Nossa decepção e preocupação com a Fifa são profundas. Como
patrocinadores, esperamos que a Fifa tome decisões imediatas. Isto
começa com a reconstrução de uma cultura com fortes práticas éticas para
restaurar a reputação dos jogos para os torcedores. Se a Fifa falhar
nisso, vamos informá-los que reavaliaremos nosso patrocínio”, garante a
nota da Visa, divulgada quinta-feira.
“Tudo o que uma empresa da área financeira precisa é não ter a imagem
associada a má gestão, desvio de dinheiro, corrupção. A Visa busca na
Copa do Mundo a emoção, a superação, as histórias. Quando isso passa a
gerar dúvidas, é o pior retorno possível. O efeito colateral é nocivo”,
analisa Anderson Gurgel.
SATISFAÇÃO
Na entrevista coletiva do último sábado, após a reunião do Comitê
Executivo da Fifa, Blatter revelou a preocupação com os parceiros:
“Estivemos em contato com os patrocinadores, trocamos cartas, e posso
lhes dizer que já começamos a reconstruir a reputação da Fifa, em
conjunto com nossos parceiros. Todos receberam já uma explicação da
situação e está programada uma visita pessoal aos patrocinadores”.
Para Paulo Matos, professor de gestão estratégica de produtos e marcas
do Ibmec, os fatos da última quarta-feira provocarão mudanças na Fifa,
pois será impossível para a entidade manter contratos de patrocínio sem
uma reação convincente.
“Num primeiro momento, é uma crise da Fifa. Mas são marcas tão fortes
que temem que isso possa grudar nelas também. Quando apoiam a Copa do
Mundo, se apropriam de um evento profissional, bem organizado. Agora,
bate a dúvida sobre a validade da parceria. Por isso, o futuro pode
gerar a ruptura dessas relações. Uma mudança de gestão e postura da Fifa
será obrigatória. Essas marcas não vão aceitar seguir a parceria dentro
desse contexto de corrupção”, analisa Matos.
Andrei Molletta Scheiner, professor de Gestão da Marca e da Reputação
Corporativa da FGV/Faculdade IBS, tem visão idêntica do momento pelo
qual passam a Fifa e também a CBF na relação com as parceiras.
“Esse tipo de parceria só é boa quando está todo mundo feliz. Não é um
casamento. A marca quer preservar sua imagem. Acaba virando um efeito em
cascata, pois o público associa a Coca-Cola, a Visa, ainda que elas não
tenham nada com a história, à corrupção. Não há como não respingar,
pois as pessoas carregam o entendimento de que as empresas são
coniventes com os processos da Fifa”afirma Scheiner.
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