Antonio Albino Canelas Rubim* A TARDE
A independência do Brasil para a quase totalidade dos brasileiros está representada no quadro Independência ou Morte de Pedro Américo, pintado em Florença, 66 anos depois do acontecimento de Sete de Setembro de 1822. Esta versão idílica, também conhecida como "Grito do Ipiranga", sintetiza a visão da independência ensinada aos brasileiros. Uma independência sem luta. Um mero ato de D. Pedro, filho do rei de Portugal. Em suma: uma transição pelo alto, como dizia Carlos Nelson Coutinho, sem a participação ativa da população.
Nós, baianos, sabemos que a história da independência do Brasil felizmente não se reduz a esse quadro idealizado. Na Bahia, a luta pela independência durou mais de um ano, envolveu batalhas sangrentas e teve a participação ativa de índios, negros e brancos, de mulheres e homens, de escravos e homens livres, de pessoas de todas as classes sociais. O 18 de fevereiro em Salvador, o 14 de junho em Santo Amaro, o 25 de junho em Cachoeira, todos acontecidos no ano de 1822, e o Dois de Julho de 1823 em Salvador são datas expressivas desta longa e heroica luta dos baianos pela independência do Brasil.
As desavenças iniciais entre tropas de portugueses e de brasileiros que ocorrem em Salvador no dia 18 de fevereiro de 1822 se transformaram depois em combates declarados e encarniçados, em especial após o grito do Ipiranga e naquelas regiões de maior concentração de tropas do exército português, a exemplo das então províncias: Bahia, Cisplatina, Grão Pará, Maranhão e Piauí. Mas em nenhuma destas províncias a luta teve a intensidade da Bahia. Nela a independência do Brasil foi consolidada.
O reconhecimento do Dois de Julho como data nacional, a partir do projeto da deputada Alice Portugal, deve ser encarado como momento relevante e ponto de partida para necessária releitura da história da independência no Brasil. Em lugar da versão simplificadora que reduz tudo ao grito dado nas margens do riacho Ipiranga, a independência do Brasil requer uma visão mais complexa, abrangente e brasileira, porque não restrita ao território paulista.
A Bahia pode e deve dar mais esta importante contribuição ao processo de independência do Brasil. No passado através da guerra de libertação. No presente por meio de outro tipo de luta, não violenta, mas de vital importância: a releitura simbólica da história da nossa independência. Por certo, devemos buscar aliados neste processo de revisão da história do Brasil. Os estados brasileiros, nos quais ocorrem lutas, são naturais companheiros de jornada. Com eles e com outros estados devemos buscar rever a história de nossa independência. Atos e atividades conjuntas são essenciais para viabilizar esta revisão, que, por certo, vai encontrar muitas resistências dos setores mais conservadores.
O governo da Bahia, desde 2007, está empenhado na valorização da independência. A transformação do Hino ao Dois de Julho no hino oficial da Bahia; a transferência anual da capital para Cachoeira no dia 25 de junho; o cuidado com o cortejo e a produção e divulgação de materiais sobre o Dois de Julho são exemplos desta atitude e deste compromisso.
Outras medidas estão em curso para fortalecer esta nova visão, tais como: o mapeamento das comemorações da independência no Estado da Bahia; a ampla divulgação da nova e complexa visão na Bahia, no Brasil e mesmo no exterior; a produção de obras de comunicação e de cultura, como jogo eletrônico e quadrinhos, e a conexão das lutas pela independência no Brasil com o que ocorreu, quase simultaneamente, em toda a América espanhola. Este último procedimento toma fôlego com a realização do Seminário Internacional Independências nas Américas que, entre 29 de julho e 1º de agosto, em Cachoeira e em Salvador, reunirá estudiosos brasileiros e estrangeiros para refletir sobre os processos de independência do Brasil e da América espanhola.
O desafio colocado para os baianos - governo, sociedade civil e comunidade cultural - não é pequeno: transformar efetivamente o Dois de Julho em uma data conhecida e reconhecida por todos os brasileiros. Isto significa, nada menos, que rever de modo radical a história da independência do Brasil.
*Secretário de Cultura do Estado da Bahia
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