BLOG ORLANDO TAMBOSI
Para Francisco Joseli Camelo, que assumirá neste mês o comando do Superior Tribunal Militar, "não existe brecha para golpe militar" no Brasil. Entrevista a Crusoé:
O
futuro presidente do STM (Superior Tribunal Militar),
ministro-brigadeiro Francisco Joseli Parente Camelo, defende um
afastamento dos militares da política. Ele ainda endossa a decisão do
Exército de não ler a ordem do dia em 31 de março, confirma que pretende
pleitear uma vaga para as Forças Armadas no Conselho Nacional de
Justiça e classifica como inconstitucional a participação de militares
da ativa em ações de caráter político.
Para
Camelo, “sempre que tem um militar na política, na liderança, acaba
contaminando as Forças Armadas”. O governo de Jair Bolsonaro deu
ministérios a vários militares da ativa, como os generais — agora na
reserva — Braga Netto (ex-ministro da Defesa) e Eduardo Pazuello
(ex-ministro da Saúde).
Eleito
para o cargo em dezembro do ano passado, Camelo assumirá a chefia do
STM, tribunal que julga os crimes militares, neste mês de março. Na
visão dele, foi correta a decisão do ministro Alexandre de Moraes de
remeter ao STF todos os casos dos militares envolvidos nos atos de 8 de
janeiro. “Ele tomou como base o devido processo legal e o princípio do
juiz natural. Temos um Código Penal Militar. O artigo 9º diz qual é a
nossa competência e o que vem a ser um crime militar”, disse o futuro
presidente do STM sobre a decisão de Moraes, tomada na última
segunda-feira (27).
Para
Camelo, “não existe brecha para golpe militar”. No ano passado,
militantes contrários à vitória de Lula realizaram vários protestos
tentando evocar o artigo 142 da Constituição para convocar as Forças
Armadas a intervir nas eleições. Leia abaixo os principais pontos da
conversa.
Quais suas prioridades quando assumir a presidência do STM?
Estamos
pleiteando uma vaga para os nossos magistrados no Conselho Nacional de
Justiça. Nós somos o único tribunal superior que não tem vaga. Enviamos
uma PEC, já temos o relator [o senador Eduardo Gomes].
Tem algum nome de quem poderia estar na fila para indicado?
A
nossa ideia é que tenhamos, para representante nosso, um ministro
togado, um ministro civil. Nós pedimos para ter um juiz federal militar,
que é o que trabalha na primeira instância.
O
sr. disse ter achado acertada a decisão de Alexandre de Moraes de levar
à Justiça comum militares envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Mantém
essa avaliação?
Ele
[Moraes] fez uma decisão muito bem fundamentada, com base no devido
processo legal e no princípio do juiz natural. Temos um Código Penal
Militar. O artigo 9º diz qual é a nossa competência e o que vem a ser um
crime militar. Nessas condições, se um militar da ativa participar de
atos contra o patrimônio que estejam sob a administração militar, ou
cometer um crime contra o dever militar, é crime militar. Mas não foi o
caso. Então, não configura crime militar e nós não temos competência
para julgar os militares que participaram nessas condições. No geral,
ele está completamente correto.
Sentiu resistência dos seus pares às suas falas?
Conversei
apenas com a ministra Elizabete [Rocha] e ela concorda comigo. No
plenário, eu externei essa minha posição e não houve nenhum comentário.
E conversou com Moraes?
Estive
com Moraes na última semana. Conversamos sobre Justiça Militar, sobre a
CNJ, mas sobre esse assunto do julgamento não. Outra coisa: quando tem
um julgamento lá nós ficamos absolutamente fora. Não tem isso de “vamos
dar uma cooperação”. Entregaríamos 100% a eles, ficaria tudo com eles.
O
governo Jair Bolsonaro teve vários militares com cargos no governo,
alguns deles ministros. Não teme que a decisão de Moraes abra
precedentes que acabem por esvaziar as funções do STM?
Ele
está levando crimes não militares para julgamento. Sobre os militares
na política: realmente é inconstitucional o militar da ativa participar.
Inclusive há debate no Congresso para proibir isso. Acho que não é o
caso de proibir. O que se pode fazer é que o militar que deseja entrar
na política vá automaticamente para a reserva remunerada. É caso a ser
debatido no Congresso, mas alguma coisa deve ser feita. Os militares
devem estar dentro dos quartéis.
Qual sua opinião sobre alterações no artigo 142?
Acho
que no artigo 142 os nossos constituintes foram muito felizes. Ali não
tem nada que tenha alguma indicação que uma brecha para golpe, não
existe isso. Por esse caso episódico, nós não vamos mexer na
Constituição. Esse caso não tem nada a ver com a participação de
militares na política. O que se debate é se está bem definida a função
das Forças Armadas. Governos federal e estaduais devem investir bastante
na segurança pública, para que não se tenha necessidade de uma GLO —mas
tem que ter esta possibilidade, a não ser que se crie uma outra, por
que a gente vai pedir a quem? O presidente pode precisar, em algum
momento, utilizar a GLO.
O
que achou da decisão do general Tomás Paiva, comandante do Exército, de
não divulgar a ordem do dia alusiva a 31 de março de 1964?
Todos
nós —militares, Poder Executivo, Legislativo, Judiciário— temos que nos
concentrar no maior desafio, que é pacificar o país e consolidar de
forma definitiva a nossa democracia. É isso que o comandante do Exército
está procurando fazer: juntar forças para que todos nós cheguemos a
consolidar a democracia. O comandante dizer que não terá a ordem do dia é
muito importante. Nós temos muito orgulho da nossa história, mas o
momento agora é de todos estarmos juntos celebrando a democracia.
O governo Bolsonaro trouxe prejuízos à imagem das Forças Armadas?
Sempre
que tem um militar na política, na liderança, acaba contaminando as
Forças Armadas — certo corporativismo, de certa forma, acaba apoiando.
Muitas vezes, acaba havendo um certo fanatismo no meio militar e no meio
civil, e isso tira a percepção das pessoas da realidade. Naturalmente,
as coisas voltam agora a um comando civil, ao qual as Forças Armadas têm
que estar subordinadas. Não sou contra um militar ser candidato à
Presidência, mas não é por isso que as Forças Armadas vão ficar à mercê
do que aquele presidente quer. Elas têm que cuidar da soberania
marítima, do espaço terrestre, do espaço aéreo. Trabalhar, como vimos,
na causa dos yanomamis e de São Paulo.
Mas havia uma certa devoção dos militares a Bolsonaro?
Não
estou falando especificamente do caso de Bolsonaro. Na Aeronáutica,
enquanto [o brigadeiro] Eduardo Gomes estava na política, a Força ficou
muito voltada para a política; é uma coisa natural que acontece. Esse
problema do mito acabou conquistando civis e militares. Os militares
institucionalmente não aderiram: naturalmente, continuaram cumprindo seu
papel. Em nenhum momento as Forças Armadas, como instituição, se
mostraram favoráveis a dar um golpe. Houve um movimento que tinha civis e
militares. Mas, institucionalmente, não existiu de maneira alguma.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário