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Os dois ex-presidentes são caracterizados pela imoderação, imprudência e irresponsabilidade. Bruno Garschagen para a revista Crusoé:
A
participação dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro no CPAC
(Conferência de Ação Política Conservadora, na sigla em inglês) no
início de março contribuiu para ratificar um grande equívoco: a de que
ambos seriam conservadores. Ledo engano. Os dois representam outro tipo
de ideia.
Para
começar, é preciso enfatizar que cada país tem a sua própria tradição
política conservadora. Por essa razão, não é possível considerar o
conservadorismo como sendo uma mesma coisa em todos os países
ocidentais. É um fenômeno distinto, portanto, do que com o que acontece
com o liberalismo clássico e com o socialismo marxista, os quais têm uma
identidade global. Cada conservadorismo está necessariamente vinculado à
história, às tradições, à cultura social e política de cada nação. Sem
esses fundamentos que vinculam a posição política conservadora ao país
de origem, não há conservadorismo.
Apesar
da exigência desse vínculo local que singulariza cada tradição
conservadora, há fundamentos comuns e essenciais que vinculam os vários
conservadorismos no Ocidente. São elementos que atribuem natureza, forma
e conteúdo ao conservadorismo e servem de parâmetro para definir se um
movimento, partido ou indivíduo é ou não é conservador.
Alguns
dos principais fundamentos do conservadorismo são o tradicionalismo,
organicismo, ceticismo, prudência. Em resumo bem resumido:
1)
o tradicionalismo é o respeito que o conservador tem pelo passado,
entendido como um sábio conselheiro, e pelas tradições virtuosas que nos
foram legadas, e não toda e qualquer tradição, o que faz com que o
conservador seja contrário à revolução, no sentido moderno do termo;
2)
o organicismo é a visão conservadora do indivíduo não como um ser
individualista e atomizado, mas como ser humano social que vive,
identifica-se e relaciona-se socialmente com as outras pessoas tendo
como vínculo comum a história, tradições, cultura, idioma, costumes,
hábitos, normas, instituições;
3)
o ceticismo conservador é baseado na ideia de que o conhecimento
político que se pode adquirir é limitado, que esse conhecimento também
deve ser prático e não exclusivamente teórico, e que está
fundamentalmente vinculado à vida concreta em sociedade. Não pode o
conservador, portanto, formular e tentar implantar teses políticas
idealizadas, abstratas e desvinculadas da experiência real da comunidade
da qual faz parte;
4)
a prudência, no conservadorismo, é uma combinação da concepção de
Aristóteles sobre a virtude intelectual e virtude moral, ou seja, a
prudência entendida como a virtude da boa deliberação e da escolha dos
instrumentos adequados para garantir a retidão dos meios e dos fins
pretendidos.
Feita
essa explicação e cotejando os elementos fundamentais e comuns dos
conservadorismos com o histórico político de Trump e Bolsonaro, é
possível perceber por que eles não podem ser considerados conservadores.
A dissociação torna-se ainda mais profunda quando analisamos postura,
linguagem, retórica e atos políticos de ambos usando como parâmetro as
tradições conservadoras americana e brasileira.
Tomando
como base dois livros importantes para a compreensão do conservadorismo
americano, nem com muito boa vontade é lícito qualificar Trump como
conservador, seja a partir dos dez princípios conservadores explicados
por Russel Kirk em A Política da Prudência (É Realizações, 2013) seja
pela impossibilidade de localizá-lo dentro da história do
conservadorismo americano descrita por George H. Nash em O Movimento
Intelectual Conservador na América – Desde 1945 (LvM/Clube Ludovico,
2023).
Ideologicamente,
nem sei se é possível qualificar Trump. Com uma atribulada trajetória
empresarial, o americano sempre foi um hábil e agressivo negociador, e
assim se comportou como presidente. Ao perceber que havia uma lacuna
política no Partido Republicano e no seio de seu eleitorado mais pobre,
Trump construiu uma agenda política baseada no “Make America Great
Again”, slogan que foi copiado dos conservadores ingleses, o “Make
Britain Great Again”, usado na eleição de 1950.
O
interesse de Trump, no entanto, parece ser sobretudo em ter e exercer o
poder político. Talvez quem melhor o tenha definido foi o conservador
William F. Buckley Jr., que, num artigo publicado no ano 2000 pela
revista Cigar Aficionado, descreveu Trump como demagogo e narcisista. E,
na histórica edição em 2016, a revista National Review posicionou-se
contra a eleição de Trump e o descreveu como um oportunista que
destruiria, com seu populismo, “o amplo consenso ideológico conservador
dentro do Partido Republicano”. A revista estava certa.
No
caso de Bolsonaro, a mentira do político “conservador” começou a ser
disseminada publicamente com maior visibilidade na campanha eleitoral de
2018. O próprio Bolsonaro citou poucas vezes a palavra conservador e
não lembro se alguma vez ele tenha se definido como tal, mas o
crescimento avassalador do número de apoiadores fez com que o termo
ganhasse amplitude para qualificar a ele e quem o apoiasse, mesmo que
ignorassem o que é ser conservador.
Bolsonaro
não é conservador não apenas porque seus posicionamentos e atuação
política não se enquadram nos fundamentos do conservadorismo, nem na
tradição do conservadorismo brasileiro que existiu no século 19.
Bolsonaro e seus apoiadores não guardam qualquer identificação com as
bases e ideias dos conservadores brasileiros da nossa tradição
apresentadas no livro Os Construtores do Império, de João Camilo de
Oliveira Torres, e no ensaio Evolução Histórica do Conservadorismo no
Brasil, de autoria de Alex Catharino e publicado como posfácio à edição
brasileira do livro A Mentalidade Conservadora: de Edmund Burke a T. S.
Eliot, de Russell Kirk (É Realizações, 2020).
Bolsonaro
também não é conservador porque representa uma mescla de positivismo
militar do início do século 20, do jacobinismo florianista daquele mesmo
período e do tipo de populismo criado por Steve Bannon. Sendo uma
combinação dessa curiosa mistura ideológica, Bolsonaro jamais poderia
ser conservador.
Portanto,
a cosmovisão política radical de Trump e Bolsonaro, como uma resposta
às ideologias revolucionárias e grupos radicais contra os quais eles se
insurgem, não tem qualquer resquício de conservadorismo, pelo contrário.
A imoderação, imprudência e irresponsabilidade de ambos na vida
política são o contrário do que é ser conservador e agir politicamente
de forma conservadora. No fundo, ambos pensam e comportam-se
politicamente como o produto reverso dos seus inimigos revolucionários e
não segundo uma disposição e perspectivas conservadoras.
De
fato, Trump e Bolsonaro têm suas semelhanças e foram elas que os
aproximaram. Mas, repito, nada disso tem a ver com conservadorismo. Que
eles, fora do poder, se encontrem no CPAC é explicável: o evento, que já
foi conservador, converteu-se num satélite do trumpismo e, por essa
razão, permitiu que sua edição brasileira fosse concebida e realizada
para ser bolsonarista. Não vejo problema nisso, desde que o CPAC e os
apoiadores de Trump e Bolsonaro não enganem a audiência ao usar o termo
conservador para descrever o evento e aquilo que defendem.
Bruno
Garschagen é cientista político, professor, autor dos best-sellers Pare
de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos, e
especialista em pensamento conservador
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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