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Sem freios, as instituições saem do controle. Avançam sobre a cidadania. Cometem exageros que ferem de morte a democracia. Murillo de Aragão para a Veja:
Uma
das mais importantes invenções é o sistema de freio de elevadores.
Criado pelo americano Elisha Graves Otis em 1852, o mecanismo foi
exibido na Feira Mundial de Nova York de 1854. Sem ele, a humanidade
estaria condenada a depender de escadarias intermináveis. Os prédios
ficariam por mais um bom tempo limitados a poucos andares, e a Torre
Eiffel seria uma impossibilidade. A perspectiva do mundo seria outra.
O
paradoxo do freio é que ele, ao mitigar a ação da gravidade, pode nos
levar longe. E a analogia deve ser aplicada às instituições. Sem freios,
elas saem do controle. Avançam sobre a cidadania. Cometem exageros que
ferem de morte a democracia. O francês Alexis de Tocqueville nos alertou
de que o bom funcionamento da democracia necessita de freios e
contrapesos para equilibrar os poderes e evitar que setores do governo
ou da sociedade tenham predominância sobre os demais.
Desde
a proclamação da República, o excesso de poder do presidente foi a
tônica institucional em nosso país. Apenas neste século XXI passamos a
assistir a um equilíbrio institucional, com Judiciário e Legislativo
ganhando espaço em desfavor do Executivo. Tal equilíbrio não eliminou os
excessos e os exageros. Apenas alterou os pontos de desequilíbrio nos
quais os poderes costumam exorbitar suas competências. A história do
Brasil é repleta de excessos, exageros e desequilíbrios entre as
instituições e, sobretudo, entre o governo e a sociedade.
Recentemente
ocorreram excessos em decisões judiciais, muitas delas revistas por
serem claramente exageradas. Outras vezes vimos conflitos entre entes da
administração impedindo a execução de acordos de leniência. São várias
instâncias, como AGU, CGU, PGR, TCU e Receita Federal, disputando quem
pune mais. Cerca de 80% dos processos que tramitam no Carf, quando
empatados, são decididos por representantes do governo em favor do
próprio governo.
No
Brasil, a competência legislativa é exercida por todos os poderes. A
burocracia muitas vezes “legisla” por decretos e portarias. O Judiciário
avança sobre o Legislativo. A judicialização, provocada pela política,
instala um sistema legislativo “tricameral”. Ainda na Justiça, os
pedidos de vista que se eternizam são um sinal de desequilíbrio, assim
como as votações de surpresa no Legislativo. A falta de previsibilidade é
sintoma sério de precariedade democrática e mau funcionamento
institucional.
A
situação que se apresenta é de desequilíbrio institucional. As
consequências são óbvias: choques de competências em desfavor da
cidadania, o que gera violação de direitos e insegurança jurídica. Somos
uma República onde pode quem tem mais poder e não quem tem direitos.
Onde o passado é incerto e o futuro, duvidoso. A consolidação da
democracia deve obedecer a uma organização dos freios, dos contrapesos e
dos limites das instituições. Mas isso seria esperar muito do país que
temos. Somos afligidos pelo corporativismo que privilegia interesses
específicos e por um patrimonialismo que se revela em histórias mal
contadas — como no caso das joias ofertadas pela Arábia Saudita ao
ex-presidente, entre outros males que não são contidos adequadamente
pelas instituições e normalizados por uma cidadania pouco afeita ao
debate sobre o que queremos do país.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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