BLOG ORLANDO TAMBOSI
Suspeita de que Bolsonaro tentou contrabandear joias reforça o padrão de um político cujo clã, famoso pelas rachadinhas, vê o Estado como repartição a serviço de seus interesses privado. Editoial do Estadão:
A
conjugação virtuosa do senso de dever de servidores da Receita Federal e
do esforço de reportagem deste jornal deu ao País mais uma razão para
acreditar que raros foram os presidentes que marretaram com tamanha
violência os pilares que sustentam esta República como o sr. Jair
Messias Bolsonaro.
Na
sexta-feira passada, o Estadão revelou que o ex-presidente tentou de
tudo, até a undécima hora do mandato, para fazer entrar no País,
ilegalmente, um conjunto de joias da grife suíça Chopard avaliado em € 3
milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões. O pacote, contendo colar,
brincos, relógio e anel cravejados de diamantes, seria um “presente”
oferecido pela ditadura da Arábia Saudita à então primeira-dama,
Michelle Bolsonaro, em outubro de 2021.
Ao
longo de um ano e dois meses, Bolsonaro tentou liberar essas joias
mobilizando nada menos que três Ministérios – Economia, Minas e Energia e
Relações Exteriores –, além de outras instituições de Estado. O
ex-presidente pressionou a cúpula da Receita Federal, que, para o bem do
País, respaldou o comportamento republicano de seus servidores no
aeroporto de Guarulhos. Protegidos pela estabilidade constitucional para
dizer “não” até mesmo ao presidente da República quando ele quer se
desviar da lei, eles confiscaram as joias.
Toda
essa frenética movimentação de Bolsonaro para liberar os diamantes
reúne fortes indícios de tentativa de contrabando, razão pela qual a
Receita não realizou o leilão das joias, que agora servem de prova. O
ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a
instauração de inquérito pela Polícia Federal para apurar esse e outros
crimes que possam ter sido cometidos com o objetivo de, ao que tudo
indica, levar aquele pequeno tesouro até a família do ex-presidente às
escondidas.
Do
início ao fim, a jornada dessas joias rumo ao Brasil esteve eivada de
mistérios e ilegalidades. Afinal, a que título a ditadura saudita teria
sido tão generosa com Bolsonaro? Se o objetivo não era reter para si o
presente milionário, por que o ex-presidente, como manda a lei, não
determinou que as joias fossem declaradas como patrimônio da União?
Os
diamantes poderiam ter passado facilmente pelo controle alfandegário
caso fossem declarados como presente de um Estado estrangeiro ao governo
brasileiro. Por lei, teriam sido considerados patrimônio da União e
seguiriam para o acervo da Presidência sem obstáculos, livre de
impostos. Mas há fortes razões para crer que Bolsonaro queria as joias
para si, o que implicaria o pagamento de cerca de R$ 12,3 milhões em
tributos de importação pessoal.
O
pagamento desses tributos, por óbvio, era algo inimaginável em se
tratando de alguém como Bolsonaro, que se notabilizou por explorar o
Estado como plataforma para o enriquecimento pessoal. A família
Bolsonaro, no que concerne à sua vida pública, foi forjada pela
corrupção miúda das “rachadinhas”, pelas fraudes na prestação de contas
de verbas de gabinete, pela compra de dezenas de imóveis em dinheiro
vivo, pelo depósito de cheques suspeitos nas contas de Michelle
Bolsonaro, entre tantos outros escândalos. Um possível contrabando
milionário seria apenas mais um risco nesse “bingo” de malfeitos.
Para
evitar o pagamento dos tributos, as joias foram escondidas na mochila
de um assessor do então ministro de Minas e Energia do governo
Bolsonaro, o almirante de esquadra Bento Albuquerque, que viajara a Riad
para representar o Brasil na cúpula “Iniciativa Verde do Oriente
Médio”. A manobra sub-reptícia, no entanto, não resistiu ao raio X e ao
espírito público dos servidores da Receita Federal em Guarulhos, que
apreenderam o pacote. Prestando-se a um papel indigno de sua patente,
Bento Albuquerque ainda tentou pressionar os servidores mencionando que a
destinatária daqueles diamantes era a primeira-dama.
De
modo paradigmático, esse caso dos diamantes revela como Bolsonaro
enxerga a natureza das instituições de Estado, o exercício do poder e a
relação com servidores, civis ou militares. Tudo é uma mixórdia a
serviço de seus interesses privados.
Espera-se
dos responsáveis pela investigação desse caso escabroso o mesmo
espírito público que norteou a atuação dos bravos servidores da Receita
Federal.
Postado há 5 days ago por Orlando Tambosi
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