A implantação de república sindicalista, se não for refreada a tempo, poderá abrir as portas para a criação da república popular do Brasil. Artigo de Almir Pazzianotto Pinto para o Estadão:
Durante
o breve governo João Goulart (1961-1964), cuja assunção à Presidência
da República ocorreu graças à inesperada renúncia de Jânio Quadros
(25/8/1961), estivemos sob a ameaça de implantação de República
sindicalista. Aceito com reservas por parte das Forçar Armadas, João
Goulart foi convencido a se precaver contra eventual golpe, apoiado em
dispositivos militar e sindical, o primeiro articulado pelo general
Assis Brasil, o segundo, pela Confederação Geral dos Trabalhadores
(CGT).
O
mundo encontrava-se dominado pelo clima de guerra fria entre o bloco
comunista, comandado pela União Soviética, e as democracias ocidentais,
tendo à frente os Estados Unidos da América. A revolução cubana,
liderada por Fidel Castro e Che Guevara, conquistara admiradores entre
nós. Cuba era a cabeça de ponte comunista na América Central, pronta
para apoiar guerrilhas no continente.
A
desconfiança em relação a Jango surgira em 1953, após sua nomeação para
ministro do Trabalho pelo presidente Getúlio Vargas, para substituir o
ministro Segadas Viana. Em março de 1964, Jango foi confrontado por
manifesto assinado por 81 coronéis e tenentes-coronéis, “em protesto
contra a exiguidade dos recursos destinados ao Exército e a proposta
governamental de elevação do salário mínimo”, e foi obrigado a se
exonerar.
O
governo Jango se caracterizou por intensas agitações. No Nordeste, as
Ligas Camponesas, chefiadas por Francisco Julião, representavam
perigosas ameaças aos proprietários de engenhos de açúcar. Portuários,
ferroviários, tecelões, gráficos e bancários pressionavam o presidente
para conseguir aumentos salariais, decretando greves em setores
essenciais. Atribui-se a Luís Carlos Prestes, histórico líder comunista,
a frase: “Estamos no poder, falta-nos tomar o governo”.
O
relato do breve e tumultuado período compreendido entre setembro de
1961 e março de 1964 é encontrado em Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo
Branco (1930-1964), de Thomas E. Skidmore (Ed. Paz e Terra, RJ, 1975);
Jango, um depoimento pessoal, de João Pinheiro Neto (Ed. Record, RJ,
1993); Sexta-Feira 13 – Os últimos dias do governo João Goulart, de
Abelardo Jurema (Ed. O Cruzeiro, RJ, 1964); Sindicalismo no processo
político do Brasil, de Kenneth Paul Erickson (Ed. Brasiliense, SP,
1979); Visões do golpe – A memória militar sobre 1964, de Maria Celina
D’Araújo et al., Relume Dumará, RJ, 1994); Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930 (Ed. FGV-CPDOC, RJ); Março
31, de Fernando Pedreira (José Álvaro Editor, RJ, 1964); e Memórias de
um stalinista, de Hércules Corrêa (Ed. Opera Nostra, RJ, 1994). Além
destes, dezenas de livros e artigos se ocuparam do “presidente perplexo”
que governou “preso entre extremistas de direita e de esquerda”, como
escreveu Skidmore.
Por
razões que somente ele poderia explicar, Jango resolveu governar em
descompasso com empresários e Forças Armadas. Fazendo da reforma agrária
a meta principal do governo, atraiu a oposição dos conservadores, e,
por se conduzir de maneira vacilante, foi incapaz de conquistar o apoio
da esquerda, que o observava com desconfiança, como se evidenciou ao
tentar a decretação do estado de sítio, em 4 de outubro de 1963, e ser
obrigado a retroceder três dias depois.
Vivi
a época de Goulart. Acompanho a vida sindical desde 1961. Presenciei de
perto o golpe de 31 de março de 1964. É irresistível, portanto, o
desejo de traçar um paralelo entre João Goulart e Luiz Inácio Lula da
Silva, que lhe sucedeu tendo como propósito implantar uma república
sindicalista.
Lula
“é uma charada envolvida em mistério, dentro de um enigma”, como disse
Winston Churchill sobre a União Soviética. De volta ao Planalto, o
animal político que nele vive e obedece apenas aos instintos governará
com os olhos voltados para o povo e os ouvidos, para a Avenida Faria
Lima.
Em
dois momentos de grave crise, Jango cedeu para evitar a guerra civil,
como lhe propunha o cunhado Leonel Brizola. A primeira vez, ao aceitar a
mudança do regime presidencialista para o parlamentarismo, conforme lhe
exigiam os ministros militares, marechal Odílio Denis, do Exército;
almirante Sílvio Heck, da Marinha; e brigadeiro Gabriel Grün Moss, da
Aeronáutica. A segunda, quando preferiu se exilar no Uruguai ao invés de
reagir ao golpe de 31 de março.
Milhares
de camisas e bandeiras vermelhas que ocuparam as grandes avenidas no
final da campanha, em apoio ostensivo a Lula, nos obrigam a refletir se
corremos o risco da tomada de medidas autoritárias, segundo o figurino
venezuelano, como passos iniciais para a tomada total do poder.
A
implantação de república sindicalista, se não for refreada a tempo,
poderá abrir as portas para a criação da república popular do Brasil.
Cuba, Nicarágua, Chile, Argentina, Venezuela e Peru são modelos que
devemos rejeitar.
Apesar
dos problemas e defeitos que lhe reconhecemos, a esperança de
preservação do Estado Democrático de Direito, sem recaída em nova
ditadura, repousa na preservação intacta da Constituição.
ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST)
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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