BLOG ORLANDO TAMBOSI
Os
protestos já deveriam ter sido sufocados por um regime que virou a
encarnação do mal, mas iranianas resistem numa luta em que tudo é contra
elas. Vilma Gryzinski:
É possível saber que as coisas vão mal para o regime iraniano quando o “Grande Satã” – os Estados Unidos – começa a ser evocado.
Com
interesse máximo em reassinar o acordo nuclear jogado fora por Donald
Trump, o regime estava controlando a retórica. Agora, os insultos foram
retomados. O objetivo obviamente é culpar uma força exterior pelos
próprios problemas. E também é um sinal de que, mesmo com o pleno
controle do aparato repressivo, os teocratas não estão conseguindo
sufocar os protestos espontâneos que brotaram depois da morte de uma
jovem de 22 anos detida por deixar mechas de cabelo aparecer debaixo do
lenço na cabeça.
Contra
todos os prognósticos, as iranianas resistem. São movidas por um
sentimento de revolta, alimentado por casos como o de Asra Panahi, morta
aos 16 anos. Segundo os relatos que incendeiam as redes, mesmo quando a
conexão sofre interferência, ela estava numa escola na cidade de
Ardabil invadida por agentes de segurança por ter aderido aos protestos.
Eles exigiram que as estudantes cantassem uma música exaltando o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. As que resistiram, como Asra, foram espancadas. A estudante morreu num hospital.
Não
há como provar que o crime aconteceu da maneira como um grupo ligado ao
sindicato dos professores denunciou, mas a menina está morta –
oficialmente, de uma doença cardíaca congênita, o mesmo pretexto alegado
no caso que desencadeou a atual onda de protestos.
Os
protestos continuam incontroláveis e surpreendentes. No Campeonato
Asiático de Escalada, a competidora iraniana Elnaz Rekabi apareceu
apenas com uma faixa no cabelo Teve que se retratar, dizendo pelo
Instagram que o lenço – cujo nome em árabe, hijab, se propagou- havia
caído “inadvertidamente”.
Apesar da desculpa, a esportista foi recebida por uma multidão no aeroporto e saudada como heroína.
A
natureza perversa do regime iraniano está sendo mostrada em várias
frentes. Além da guerra às mulheres, apoiada por homens tão corajosos
quanto elas, o Irã entrou numa guerra convencional, a da Ucrânia.
São chocantes as imagens de drones Shahid-136, vendidos à Rússia, bombardeando a população civil.
Vladimir Putin
quer infernizar a vida dos ucranianos e o Irã está ajudando. Como é
possível entrar numa guerra com a qual não tem nada a ver e matar
homens, mulheres e crianças? O Irã tem garantia de impunidade, conferida
pelo direito de veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, e longa
experiência em agir clandestinamente.
No
começo da semana, um juiz argentino reativou a ordem de captura contra o
vice-presidente iraniano Mohsen Rezai, em visita ao Catar. Ele é um dos
acusados de ter aprovado o atentado contra a AMIA, a associação judaica
de Buenos Aires onde um carro-bomba matou 85 pessoas em 1994. A
execução ficou a cargo dos libaneses do Hezbollah.
O que aconteceu? Nada.
O que vai acontecer com os responsáveis pela repressão que matam meninas de 16 anos? Provavelmente nada.
Apesar
da resistência das manifestantes e das cenas comoventes de mulheres
tirando o pano que virou sinônimo de opressão para incendiá-lo no meio
da rua, os protestos ainda estão longe de ter a extensão da rebelião que
derrubou o xá, em 1979.
Regimes só caem quando integrantes das forças de segurança começam a mudar de lado.
Muitos iranianos também aprovam a exigência da cabeça coberta e das roupas longas para esconder as formas femininas.
Um
vídeo chocante que circulou na semana passada mostra como dois homens
anônimos abordam uma mulher sem o lenço na rua, atacando-a a socos e
pontapés. Espantosamente, ela reage da mesma forma e consegue resistir
até que três transeuntes se colocam à frente dela.
Matar
crianças em Kiev e jovens sob custódia policial tem uma consequência
real: o governo de Joe Biden não vai conseguir, pelo menos agora,
retomar o acordo nuclear com o Irã.
O
acordo foi altamente contestado pelo maior interessado, Israel. Com ou
sem ele, o regime dos aiatolás tem um projeto irrenunciável: produzir
bombas nucleares. Um regime que prende mulheres porque deixaram o cabelo
aparecer e está acelerando a produção de urânio para fazer uma bomba
nuclear só pode trazer mal ao mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário