Uma
candidata explosiva de direita como Keri Lake representa a batalha
eleitoral que pode definir o futuro do governo de Joe Biden. Vilma Gryzinski:
Elas
não têm o charme – nem o veneno – das eleições presidenciais, mas a
disputa legislativa e por governos estaduais no próximo dia 8 de
novembro está tão apertada que só os muitos crentes nos institutos de
pesquisa arriscam cravar os resultados finais. Apertada e, em muitos
aspectos, enlameadas. O jogo é pesado nos Estados Unidos, até pelos padrões que estamos vendo no Brasil.
A
candidata republicana ao governo do Arizona, Keri Lake, personifica
estes aspectos. No momento, segundo o FiveThirtyEight (que errou, errou e
errou mais um pouco na presidencial de 2016, se isso serve de algum
consolo para nós), ela está com 47,1% das preferências. Sua rival
democrata, Katie Hobbs, tem 46,4%.
Para
justificar sua recusa em participar de um debate com Lake, a candidata
democrata disse que disse que gostaria de ter “uma discussão
substantiva” sobre propostas, mas a adversária quer “fazer um
espetáculo”.
Tradução:
Keri Lake é um fenômeno, uma máquina de derrubar argumentos contrários,
uma fonte constante de alegrias para a ala trumpista do Partido
Republicano.
Bonita,
com presença forte e a capacidade de articulação produzida por uma vida
profissional inteira como apresentadora em canais regionais de
televisão, cada embate dela com repórteres que pretendem fazer
pegadinhas é celebrado pela mídia conservadora – altamente minoritária –
como uma vitória no Super Bowl.
A
mais recente foi sobre as acusações de que está trabalhando contra a
democracia ao endossar as suspeitas de Donald Trump sobre o resultado
das urnas em 2020. “Aqui estão 150 exemplos de negacionistas eleitorais
democratas. Eu trouxe os recibos”, espetou, pedindo a um assessor uma
lista com as inúmeras instâncias em que políticos democratas contestaram
a legitimidade da eleição de Trump. E começou a ler.
Sobre
o aborto, que virou um tema central depois da decisão da Suprema Corte
delegando a legislação a respeito para os estados, ela disse que é a
favor de “ajudar nossas mulheres” e que cada vez que uma entrar numa
clínica para interromper a gravidez saiba que “existem opções”. Lacração
final: desafiou os repórteres a perguntar qual a posição de sua
adversária, que “apoia o aborto até o momento do nascimento e depois
dele; se um bebê sobreviver a um aborto, “ela é a favor que esse bebê
morra numa bandeja fria”.
O
aborto também virou tema na disputa para o Senado no estado da Geórgia,
onde ambos os candidatos são negros. O republicano é Herschel Walker,
ex-jogador de futebol americano, cuja vida foi vasculhada até aparecer
uma ex-namorada com comprovantes de um cheque que, segundo ela, foi
usado para reembolsar um aborto.
Walker
admitiu ter feito o cheque, mas diz não se lembrar para o que era.
Quando o caso aflorou, o filho do candidato, Christian Walker, acusou o
pai de ser “mentiroso e hipócrita”, de não pagar pensão e de ter
ameaçado a família de morte. Logo apareceram imagens de Christian
abraçando e elogiando o pai, além de uma com camiseta de apoio a Trump.
É triste ver famílias divididas, expondo publicamente problemas que não vão ficar menores depois da eleição.
Walker atualmente tem 44% das preferências, contra quase 48% para o adversário democrata, Raphael Warnock, que é pastor batista.
As
eleições de novembro já foram definidas como uma disputa entre aborto e
inflação – em inglês, as palavras rimam -, com os democratas
enfatizando o primeiro tema e os republicanos, o segundo.
As
principais preocupações do eleitorado são inflação, criminalidade e
imigração irregular – todos temas prejudiciais para os democratas.
Não
existe nos Estados Unidos algo nem parecido com justiça eleitoral,
muito menos com interferência de esferas do Judiciário nas campanhas. O
dinheiro para candidatos e partidos é quase incomensurável. George
Soros, o maior doador, já colocou mais de 160 milhões de dólares em
candidaturas democratas.
No âmbito nacional, as eleições legislativas são, obviamente, as mais importantes. Pior hipótese para Joe Biden:
perder a maioria que tem na Câmara e não conseguir virar o impasse no
Senado. Há pesquisas que prognosticam que o empate de 50 a 50 vai
continuar no Senado; outras preveem uma maioria de 52 para os
republicanos.
Como
o voto não é obrigatório, a disposição a ir votar é um fator que define
quase tudo. Segundo uma pesquisa associada ao New York Times, 49% dos
que pretendem sair de casa no dia 8 declaram voto em candidatos
republicanos. Os democratas têm 45%.
A
pressão dos fatores econômicos é tanta que a candidata democrata ao
governo da Geórgia, Stacy Adams, tentou associar aborto a controle de
inflação.
“Ter
filhos é o motivo pelo qual as pessoas se preocupam com o preço da
gasolina. E é por isso que as pessoas se preocupam com o preço dos
alimentos”, disse ela.
Comparar
criancinhas pelas quais mães e pais dariam a vida a estresse econômico
pode não ser uma boa ideia, mas seria interessante ver um debate entre
Stacey Abrams, que tem uma presença midiática muito forte, e a
demolidora Kari Lake. Uma negra e uma branca, ambas de origem muito
pobre, ambas com convicções apaixonadas e capacidade de esquentar
qualquer debate.
Stacey Adams, por sinal, é uma negacionista: não aceita até hoje que perdeu a última eleição ao governo estadual.
Não é só no Brasil que o circo está pegando fogo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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