Territórios que Putin anexou num dia são liberados no outro e o manda-chuva da Chechênia quer mandar generais para o front e usar bombas nucleares. Vilma Gryzinski:
“Não
sei o que o Ministério da Defesa transmite para o comandante-chefe, mas
na minha opinião deveriam ser tomadas medidas mais drásticas”.
Na maioria das circunstâncias, esta seria uma avaliação comum na Rússia. A diferença é que foi feita por Ramzan Kadyrov, um dos seres humanos mais brutais que hoje andam sobre a face da terra.
Ele é o líder da Chechênia,
a república muçulmana no Cáucaso que se insurgiu contra a Federação
Russa da qual faz parte. Numa guinada dramática, seu pai mudou de lado
em plena guerra e se passou para Vladimir Putin.
Como vingança, rebeldes separatistas o assassinaram, explodindo uma
bomba engastada numa viga de concreto do estádio de futebol da capital
chechena durante um jogo. Ramzan herdou o poder e a política de terra
arrasada contra seus próprios cidadãos.
O
envio dos ferozes guerreiros chechenos a qualquer lugar sempre foi
precedido de uma aura de medo. Até que o primeiro batalhão a entrar na Ucrânia
fosse inteiramente dizimado. Em outros locais, os kadyrovitas, como são
chamados, cometeram atrocidades consideradas especialmente hediondas –
existe um elemento religioso nunca declarado que envolve a impiedade de
muçulmanos matando cristãos -, mas o líder checheno passou a ser chamado
de “guerreiro do TikTok” por falar muito e fazer pouco.
Falar, ele continua falando. E agora com críticas nada dissimuladas à atuação do Exército russo.
“O
nepotismo no Exército não produz nada de bom”, declarou Kadyrov,
anunciando que vai mandar os próprios filhos, de 14, 15 e 16 anos, para
enfrentar os ucranianos e aprender a combater. Ele também propôs que os
comandantes das forças russas que estão sendo sistematicamente dizimadas
na região de Liman e, agora, de Kherson, que acabou de ser anexada à
Rússia, percam suas medalhas e sejam mandados para a frente de combate
só com uma arma de mão para lavar a honra com o próprio sangue.
No
caso de Liman, reconquistada pelos ucranianos, ele deu nomes: culpou o
oficial comandante, general Serguei Lapin, acusando-o de falhar em
prover seus homens em matéria de comunicações, coordenação e
reabastecimento. Os relatos que chegam de combatentes ucranianos na área
de Liman descrevem uma verdadeira carnificina dos soldados russos que
foram completamente cercados e largados à própria sorte – uma morte
horrível em muitos casos.
E
é claro que Kadyrov apelou ao uso de armas nucleares. De que adianta,
argumentam integrantes da linha dura russa, ter um arsenal tão poderoso e
ter que suportar derrotas humilhantes como as sofridas nas últimas
semanas?
O
Telegram está pululando de oficiais da reserva que pensam como Kadyrov e
não disfarçam as derrotas que atualmente se acumulam. Mais
surpreendente foi o que falou outro gênio do mal, Ievgueni Prigozhin, o
dono de restaurante que começou servindo Putin e acabou criando uma
força paralela de soldados de aluguel, o grupo Wagner.
Prigozhin
não só apoiou Kadyrov, como acrescentou um detalhe: “Esses desgraçados
deveriam ser mandados descalços para o front armados só com
automáticas”.
Seria uma crítica ao Ministério da Defesa? “Deus me livre”, ironizou ele.
Na
verdade, muitos generais russos já foram para o front, no começo da
guerra, desesperados com os erros ou a ineficiência da tropa sob seu
comando. Ao se exporem dessa forma, o que não faz parte das atribuições
dos oficiais superiores exceto se estiverem na Batalha das Termópilas ou
similares, onze deles foram mortos.
As
derrotas sofridas pelas forças russas na região de Kharkiv e agora em
Liman podem ser irreversíveis, na avaliação de um dos maiores
especialistas em assuntos militares, o general da reserva David
Petraeus, comandante da invasão americana do Iraque em 2003 (por sua
capacidade de planejamento e proximidade com a tropa, além do cenário
bíblico, foi apelidado de Rei David).
“Nenhuma
mobilização caótica, nenhuma anexação e nenhuma quantidade de ameaças
nucleares veladas conseguirá tirá-lo dessa situação específica”, disse
Petraeus, referindo-se a Putin.
“Ele está perdendo e a realidade do campo de batalha que enfrenta é, na minha opinião, irreversível”.
Outro
general da reserva, H. R. McMaster, que foi assessor do Segurança
Nacional, no governo Trump, seguiu na mesma linha. Disse que podemos
estar testemunhando “o precipício do colapso do Exército russo na
Ucrânia, o colapso moral”.
Ramzan
Kadyrov já foi ridicularizado no começo da guerra, quando postou uma
foto rezando no que dizia ser território ucraniano. O posto de gasolina
mostrado ao fundo era de uma bandeira que só existe na Rússia.
Mas o checheno parece entender o mais importante em qualquer guerra: quem está ganhando e quem está perdendo.
A
bandeira ucraniana hasteada a cada dia numa nova cidadezinha
reconquistada cria uma narrativa poderosa de sucesso, contra todas as
possibilidades.
Em
contrapartida, começaram a circular informações de fontes obviamente
anônimas sobre a possibilidade de que a Rússia faria uma “demonstração”
apocalíptica, testando um torpedo Poseidon, que pode levar uma ogiva
nuclear, disparando-o de um de seus submarinos no Mar Negro.
A
frota russa no Mar Negro seria um dos primeiros alvos de um ataque dos
Estados Unidos, com armas convencionais, caso os russos usassem bombas
nucleares na Ucrânia.
Obviamente, a Rússia reagiria com meios que acabariam provocando uma guerra nuclear mundial.
Por isso Putin não dá ouvidos aos cabeças quentes como Kadyrov. Ou pelo menos não deu até agora.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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