BLOG ORLANDO TAMBOSI
Fatores exteriores ao método científico operam como pressão sobre os profissionais em busca de sobrevivência. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
Existe a ciência do
senso comum, a ciência praticada por profissionais no dia a dia e a
ciência que é objeto da especialidade em filosofia chamada
epistemologia. Esta reflete sobre o método científico, a demarcação
entre ciência e não ciência, e os elementos extrarracionais que impactam
a prática científica.
Epistemólogos
são filósofos especializados em refletir sobre a ciência para além do
que sua infantaria —pesquisadores e todo o corpo social que se dedica ao
cotidiano da pesquisa e aplicação desta— é capaz de fazê-lo, inclusive
porque está ocupada com a prática, o ganho financeiro da sua vida, o
reconhecimento dos pares, publicação de artigos e garantia de espaços
nas instituições financiadoras, que são universidades, fundações ou
empresas de capital privado —a "indústria" como é conhecida.
Essa
infantaria se caracteriza, às vezes, por desconhecer o que a teoria da
ciência —a epistemologia— reflete ao longo das últimas décadas.
Grande
parte da epistemologia tem se dedicado a identificar o que seria o
método científico. O entendimento básico é: hipóteses, experimentos,
verificação ou refutação das hipóteses que se dá via redes de
colaboração entrepares e instituições.
Entretanto,
tem se tornado cada vez mais importante o estudo dos elementos
extrarracionais ao método científico que impactam a materialidade
cotidiana da ciência. Quais seriam esses elementos?
Thomas Kuhn (1922-1996) ficou famoso
por introduzir no entendimento da ciência elementos exteriores ao
método em si. Criador da concepção de paradigma em ciência, e sua quebra
—termo que ganhou vida autônoma em palestras motivacionais no mundo
empresarial e de coaching—, Kuhn entendia que na ciência não há pessoas
nem instituições em busca de descobrir nada de novo, mas apenas
profissionais preocupados em reforçar suas posições institucionais e
teóricas. As descobertas, as anomalias, acontecem à revelia do paradigma
dominante.
Paul Feyerabend (1924-1994), mais radical, afirmava que na ciência não há método algum, mas interesses institucionais,
ações isoladas de leigos, vaidades, fatos aleatórios, financiamentos,
brigas políticas e similares, que juntos causam o funcionamento da ciência sem nenhuma previsibilidade. Um anarquista em epistemologia.
Bruno Latour, antropólogo, chegou mesmo a propor uma etnologia de laboratório para identificar como funciona o cotidiano comportamental dos pesquisadores e os materiais através dos quais a ciência "avança", para além dos discursos idealizadores da ciência ou o marketing das marcas, entre elas as universidades.
Na
prática, o senso comum considera ciência os resultados de exames,
vacinas, diagnósticos, aviões, computadores, inteligência artificial,
celulares, enfim, produtos da interação entre tecnologia e aplicação
útil, mas não entende nada sobre a ciência de fato.
O
epistemólogo Imre Lakatos (1922-1974) buscou um "meio-termo" entre o
idealismo da ciência pura e o olhar atento de Kuhn e Feyerabend para os
elementos extrarracionais que atuam sobre a ciência. Lakatos produziu um
dos modelos mais interessantes em epistemologia, que faria muito bem à
infantaria da ciência tomar conhecimento, assim como o senso comum que
pensa ciência como novas descobertas a cada dia.
A
ciência é composta pelo núcleo racional —o método—, um cinturão
racional —as teorias científicas dependentes do método— e elementos
extrarracionais tais como financiamentos, vaidades, modas teóricas,
lutas por espaços institucionais, mercados e reserva de mercados,
lobbies que envolvem profissionais das áreas, lutas políticas
ideológicas, presença na mídia.
O
cinturão racional é poroso. Essa porosidade opera como pressão sobre os
profissionais em busca de sobrevivência. Não há ciência pura.
Arriscaria dizer que esses elementos extrarracionais, hoje em dia,
dominam muito mais o espaço de validação pública do que é ciência por
parte do senso comum e dos próprios profissionais do que o núcleo
racional. Quanto mais marketing e mídias sociais, menos núcleo racional.
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