Cientistas e jornalistas acham que basta crer para mudar o mundo, assim como evangélicos creem no sangue de Cristo. Luiz Felipe Pondé via FSP:
A pandemia
iluminou mais do mesmo. Celebridades da pandemia rezam para que ela
volte com toda força para que o networking que realizam volte a brilhar e
as câmeras voltem a buscá-las. "Vaidade, meu pecado preferido", diz o
diabo vivido por Al Pacino no filme "Advogado do Diabo".
Países
chiques europeus continuam achando que nós, latino-americanos, somos um
lixo. Em vez de se informarem sobre como os números estão por aqui,
continuam presumindo que vamos morrer todos em meio à miséria, a
ignorância e o coronavírus e fecham suas portas para nós.
Muitas vezes a desinformação vale mais do que perder tempo com gente que não vale nada, como nós do Sul.
A América Latina
importa menos, em termos geopolíticos, do que a África. Esta, sendo
ainda mais miserável que nós em termos institucionais, é mais fácil
ainda de ser roubada e tem uma elite ainda mais canalha do que a nossa
para ajudar na corrupção.
Além disso, a África
está a poucas braçadas da costa norte do Mediterrâneo. Uma vez em terra
firme, ninguém segura os refugiados que todos detestam, apesar dos
eventos melosos em favor deles por aí. Refugiado é sempre bem-vindo,
contanto que não no seu quintal. O mercado de tráfico de refugiados é
quase um mercado de tráfico de escravos. Mas ninguém está nem aí. A
indiferença, como sempre, permanece um grande ativo.
A COP26
foi um concílio bizantino. Explico: na velha Constantinopla bizantina
—Istambul, uma das cidades mais lindas do mundo— havia muita pompa e
circunstância para discutir que porcentagem de Jesus era divina e que
porcentagem era humana.
Nenhum
país rico quer correr o risco de dar dinheiro para países pobres e suas
empresas, que podem vir a competir com as dos países ricos nesse
maravilhoso mundo da energia limpa. Além do mais, os países ricos sabem
que os governos e a elite dos países pobres são muito corruptos e roubam
dinheiro de doações internacionais —uma forma de corrupção equivalente a
bater carteiras. A corrupção dos ricos come com garfo e faca e tem PhD.
Claro
que precisamos enfrentar o aquecimento global, antes que algum
inteligentinho atire a primeira pedra. Mas só isso não basta. Só se fará
qualquer troca de matriz energética se os mesmos ricos continuarem
ricos. Isso é maior do que todos os salamaleques da mídia diante de mais
um dos seus fetiches.
Ao mesmo tempo, a COP26 se fez um desfile de candidatos ao estrelato verde. A velha Greta Thunberg
perde a pole position, como é chamado o piloto que inicia a corrida na
primeira posição do grid de largada na Fórmula 1, para a ugandense
Vanessa. Ser branquinha, agora, nesse mercado, é um passivo. Quem diria,
né?
A
COP 26 iluminou mais uma vez o fato de que ter um problema real não é o
suficiente para resolvê-lo. Mais do que tê-lo, é necessário perguntar
quem ganha com a forma sugerida para resolvê-lo.
Cientistas,
intelectuais, jornalistas, todos parecem um bando de tolos achando que
basta crer, assim como creem no poder do sangue de Cristo os
evangélicos, para o mudar o mundo. Quem disse que o mundo foi
"desmagificado"? Sorry, Weber.
E
as guerras? Passaram, graças ao poder do sangue de Cristo. Não é bem
assim, afinal. As guerras se fizeram muito caras devido ao avanço
tecnológico. Esse é o segredo da paz, não o amor a esta. É necessário
dar a César o que é de César. O capitalismo, até agora, julga não valer a
pena matar em escala industrial. Não se trata de amor à vida, como
pensam os incautos. Ninguém ama a vida quando se trata de geopolítica.
A
vida humana é uma commodity barata. Espécies em risco de extinção valem
muito mais. Além de tudo, a irracionalidade do Homo sapiens é um fato
científico. Antivacinas estão mais espalhados por países ricos do que por aqui.
Ninguém precisa de um Bolsonaro ou de um Trump para sê-lo. Basta crer
que se sabe muito mais do que os outros sobre os misteriosos caminhos da
ciência. Basta acreditar numa natureza sábia e generosa —apesar de o
câncer ser tão natural quanto praias desertas.
Você
ficaria chocado se soubesse quanta gente inteligente acredita que o
natural está limitado ao fisiológico e não inclui o patológico. Diria
você: "Não é possível! Não sabem que a morte é natural?".
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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