Como pesquisador autodidata da origem das palavras, humildemente, e sem qualquer nota de rodapé, venho aqui propor que a lista de vocábulos e expressões de uso vetado seja cada vez mais ampliada, a tal ponto que voltemos a nos comunicar por grunhidos. Paulo Polzonoff via Gazeta do Povo:
No
Dia da Consciência Negra, uma agência de checagem andou espalhando por
aí uma lista de meia-tigela, feita nas coxas mesmo, com palavras que, na
cabecinha corrompida deles, denigre a honra dos negros. Além do
espírito autoritário, o que chama a atenção na lista é como a etimologia
é usada assim à toa, livremente. Ou melhor, sem qualquer apego à
verdade.
Mas
não quero prejudicar o nobre trabalho dessas pessoas que acreditam que
palavras ferem ou matam. Pelo contrário, quero ajudá-las a serem ainda
mais criativas e a eliminarem de uma vez por todas essas perigosas
palavras que, ditas assim a esmo, são capazes até de causar falta de ar
num militante distraído.
Assim,
como pesquisador autodidata da origem das palavras, humildemente, e sem
qualquer nota de rodapé, venho aqui propor que a lista de vocábulos e
expressões de uso vetado seja cada vez mais ampliada, a tal ponto que
voltemos a nos comunicar por grunhidos e, a partir daí, elaboremos um
novo idioma tão puro quanto a visão de mundo de um militante
identitário.
Aos
críticos fascistas de plantão aviso que não reconheço qualquer eventual
e improvável discrepância que se queira apontar entre a etimologia aqui
apresentada e a etimologia consagrada em obras escritas por homens
héteros, brancos e barrigudos.
Bom dia
Poucas
expressões da língua dos colonizadores portugueses são tão carregadas
de racismo quanto “bom dia”. Repetida desde tempos imemoriais pelo
patriarcado, o “bom dia” chegou ao Brasil na caravela de D. Pedro I.
Tendo aportado na Bahia dispostos a fundar o primeiro feudo
protofascista do mundo, os portugueses foram recebidos com amor e
igualdade pelos ingênuos irmãos indígenas.
Na
manhã do dia 23 de abril de 1500, contudo, o patriarcado branco acordou
e, percebendo a oportunidade de explorar os primitivos puros, disseram
“Bom dia” a seus hospedeiros. Com o passar do tempo e o raiar de todos
os dias, a expressão foi repetida por senhores de engenho, jesuítas,
bandeirantes, caudilhos, barões do café e até pela pequena burguesia
escravocrata dos centros urbanos. Recomendo que o “bom dia” seja
devidamente substituído por “bom dia para pedirmos reparação pelo
sofrimento dos nossos ancestrais”.
Pronomes possessivos
Vejo
com estima a campanha dos companheires para serem tratados por seus
pronomes pessoais preferidos, e não mais pelos pronomes que a gramática
cisnormativa lhes impõe. Por outro lado, a luta progressista jamais
chegará ao proletariado se continuarmos usando palavras feias, bobas e
caras-de-mamão para designar aquilo que é “nosso”. Já está mais do que
na hora de usar o método de Paulo Freire para ensinar aos explorados a
origem dos meus, teus, deles, nossos, vossos, deles pronomes
possessivos.
Os
pronomes possessivos são herança do nosso passado capitalista. Graças à
ascensão de Lula, o Bom, os pronomes possessivos passaram 16 anos no
ostracismo. Nada era de ninguém e tudo era de todos. Ou melhor, todes.
Depois do golpe contra Dilma, a Boa, os pronomes possessivos ressurgiram
com o regime totalitário de Bolsonaro, o Mau, eleito
antidemocraticamente pelas elites, com a ajuda do sistema financeiro
internacional, as milícias e os cristãos fanáticos da ultradireita.
Problema
Assim
como a revolucionária palavra “dibre”, que a muito custo conseguiu se
livrar, primeiro, da sua herança imperialista ianque e, depois, de seu
elitismo consonantal trava-língua, “pobrema” – a forma politicamente
ideal – luta para ter um verbete para chamar de seu no dicionário da
língua colonizadora brasileira. Afinal, só a ultradireita fala
“problema” com todos os encontros consonantais. Aliás, “pobrema” é o que
atinge de fato a população necessitada: transfobia, linguagem binária,
encarceramento em massa e emergência climática. Já “problema” é o que as
elites acham que atinge a população necessitada, como saneamento
básico, fome, analfabetismo e criminalidade.
Gol!
“Eu,
felizmente, não gosto de futebol! Acho que é uma sociabilidade
masculina que se afirma contra a homossexualidade”. Depois de ler essa
frase do filósofo Jean Wyllys, você jamais conseguirá gritar “gol!” de
novo. E, se você não estiver convencido, quero expor aqui uma velha
teoria que acabei de inventar e que diz que “gol” é, na verdade,
abreviação de “good old life” (a velha e boa vida), expressão que
celebrava o tempo em que a Inglaterra dominava o mundo, escravizando as
minorias, enforcando homossexuais e empregando crianças nos romances de
Dickens – tudo para manter os privilégios da monarquia absolutista que
vinga até hoje.
Descascar alho
Você
talvez nunca tenha percebido, mas o simples gesto de descascar alho é
uma afronta à dignidade de muitas minorias historicamente discriminadas,
mas cujos nomes me fogem no momento. As origens da expressão são
controversas. A corrente patriarcal heteronormativa e, portanto,
fascista há séculos espalha a desinformação de que descascar alho é uma
expressão inócua, que teria surgido depois que uma das personalidades
brancas lá deles pegou uma cabeça de alho e, sem explorar qualquer
trabalhador, a descascou lentamente.
Mas
a gente sabe que isso é mentira. A verdade verdadeira (e, se não é,
fica sendo) e muito mais interessante e útil à causa é que “descascar
alho”, além de um ato político-culinário, tem a ver com a morte, nos
porões da ditadura, da militante ecoblacksocialista Efigênia Maria de
Figueiredo, mais conhecida pela alcunha de Bezerra e imortalizada na
infeliz expressão popular “a morte da bezerra”, tema do nosso próximo
verbete.
A morte da Bezerra
Num
modorrento dia de primavera, Efigênia Maria de Figueiredo caminhava
pela rua, levando consigo panfletos do Partido Comunista, quando
aparentemente desapareceu. Sumiu. Assim, de uma hora para outra. Mais
tarde, contudo, soube-se que a moça, estudante de jornalismo, foi a
primeira vítima de um instrumento de tortura e execução desenvolvido
pela CIA para eliminar os dissidentes políticos da Ditadura Militar
brasileira – que, como todo mundo sabe, foi a mais sangrenta de todos os
tempos.
Um
senhor protobolsonarista que estava ali de passagem viu tudo. O nome do
dito-cujo se perdeu na história, ou melhor, estória (bença, Paulo
Freire), mas tudo indica que se tratava de um antepassado do guru
extremista Olavo de Carvalho. Que seja. O fato é que, diante do sumiço
misterioso da Bezerra, o velho ficou paralisado no meio da rua.
Um
operário sindicalizado que pilotava sua bicicleta a caminho da fábrica
(onde com certeza seria explorado pelas oligarquias
capitalistas/militares), revoltado com o estado lastimável da democracia
naquele tempo, quase atropelou o antepassado do Olavo e, educadamente,
gritou: “Não olha por onde anda, rapá? Tá fazendo o que parado aí no
meio da rua, mermão?”. Ao que o antepassado do Olavo, alienado e em
conluio com a tirania verde-oliva, respondeu: “Tô pensando na morte da
Bezerra”.
Ranho
Nada
mais triste do que uma criança favelada pedindo dinheiro no semáforo e
com o nariz escorrendo, aquela melecona verde pendurada nos lembrando da
desigualdade social, da desvalorização da nossa moeda e do fascismo
latente em nossa sociedade. Mas pior do que tudo isso é se referir à
meleca como “ranho”. A palavra, talvez você não saiba, tem origem
escravocrata-imperialista.
Ela
vem de “running nose”, que é como os fazendeiros estadunidenses que
derrubaram metade da Amazônia (o pulmão do mundo!) para plantar algodão
no território Yanomami chamavam os cativos ranhentos. Isso, claro, antes
de 1888, quando Zumbi dos Palmares liderou uma revolução que pôs fim à
escravidão no Brasil, expulsou os capitalistas malvados, instaurou no
país a democracia e, só por diversão, fundou o STF.
Maionese
Em
1756, o duque de Richelieu tomou a cidade de Port-Mahon, capital da
ilha de Minorca. Para celebrar o feito, o chef do duque promoveu um
banquete. Na falta de leite para misturar com ovos, o chef usou azeite,
dando origem a um novo molho, posteriormente chamado mahonnaise. Ao
contrário das etimologias acima, esta é verdadeira. Mas que parece
invenção de agência de checagem comprometida com a desinformação quando
lhe convém, ah, isso parece.
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