A rapidez e relativa eficácia das negociações da coligação tripartida – que certamente se beneficiaram da presente fraqueza da CDU – é um bom augúrio para a estabilidade do próximo governo. Madalena Meyer Resende para o Observador:
O
novo governo alemão liderado pelo Social Democrata Olaf Scholz está aí,
demonstrando a resiliência do sistema político alemão e a capacidade de
integrar a mudança geracional que se manifestou nas eleições de 21 de
setembro por uma mudança e modernização da vida pública e da política
externa do país. O programa da coligação, apresentado ontem à tarde
pelos líderes dos três partidos, os Sociais Democratas (SPD), os Verdes e
o Partido Liberal (FDP), tem como objetivo principal modernizar a
economia alemã, com especial enfoque no combate às alterações climáticas
e na modernização da infra-estrutura digital do país. Também em
política externa se prevê uma evolução no papel da Alemanha no mundo.
A continuidade e a mudança
Olaf
Scholz confirma a credibilidade que lhe foi atribuída para suceder a
Merkel, com os eleitores a reconhecer o seu papel central na resposta
Alemã e Europeia à pandemia através de um programa Keynesiano que se
afastou da ortodoxia alemã de orçamentos equilibrados. Scholz esteve na
linha da frente do governo Merkel como ministro das finanças, e foi
responsável pelas decisões que levaram o governo a contrair empréstimos
avultados para cobrir os custos económicos da pandemia, e a desenhar o
programa Europeu Next Generation EU. Em continuidade com o seu papel de
ministro das finanças no governo anterior, Scholz, com os Verdes,
prevaleceram contra os liberais nas negociações, assegurando que os
futuros orçamentos alemães serão expansionistas. A nota é no
investimento que, sendo parcialmente financiado por dívida pública,
significará uma mudança em relação à ortodoxia do Szwarze Null.
Significativamente,
o maior investimento previsto é em programas de reconversão
industriais, nomeadamente para a mudança energética e a reconversão da
indústria automóvel no sentido do abandono do motor de combustão. O
futuro governo Semáforo quer colocar pelo menos 15 milhões de carros de
passageiros totalmente eléctricos nas estradas alemãs até 2030. O
anúncio do programa de governo alemão sucede-se à adopção em Washington
do maior pacote climático da história dos EUA na passada sexta feira. A
legislação americana prevê 555 mil milhões de dólares para programas de
redução das emissões de combustíveis fósseis. Em conjunto, estas medidas
nas duas maiores potências industriais ocidentais marcam um acelerar
significativo, com o apoio do Estado, dos esforços para desacelerar as
alterações climáticas.
Em termos de política externa, da nova coligação também se adivinham algumas mudanças.
Embora
as relações externas da Alemanha, que têm sido tradicionalmente
definidas por interesses comerciais, não devam ser alvo de uma
revolução, o novo governo irá provavelmente mudar significativamente a
abordagem em relação à China. Com os Ministérios dos Negócios
Estrangeiros (Annalena Baerbock) e o da Economia e Ambiente (Robert
Habeck) nas suas mãos, os Verdes estarão numa posição forte para a
influenciar esta política. Ambos os líderes dos Verdes criticaram a
abordagem mercantilista de Merkel. Neste sentido, os Verdes dão voz ao
endurecimento da posição em relação à China por parte de vários sectores
da economia e da sociedade alemã nos últimos anos. A percepção
crescente de que a China se tinha tornado num “rival sistémico”
materializou-se até no relatório da Confederação da Industria Alemã de
2019. Contudo, a atitude de Merkel em relação a Pequim manteve-se
inalterada até ao fim da sua estadia como chanceler.
A
curto prazo, o novo governo terá de tomar decisões sobre o papel da
Huawei na rede alemã 5G e sobre como se comportar nos Jogos Olímpicos de
Inverno em Pequim de 2022. A médio prazo, está em questão a concepção
de uma relação económica com a China que tome em conta a “rivalidade
sistémica” – e que implica desde a segurança das cadeias de
abastecimento e da exportação de tecnologia, até ao papel das empresas
alemãs no mercado chinês.
A
rapidez e relativa eficácia das negociações da coligação tripartida –
que certamente beneficiaram da presente fraqueza da CDU – é um bom
augúrio para a estabilidade do próximo governo. Demonstrou a vontade,
pelo menos temporária, dos liberais em contemporizarem com os objetivos
conjuntos do SPD e dos Verdes, e usarem o momento pós-pandémico para
modernizarem a economia e as relações externas da Alemanha. O sistema
alemão emerge assim com um centro político diferente, mas aparentemente
eficaz contra a deriva populista que ameaça a Europa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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