Até quando esse senhor vai ficar lacrando com dinheiro público, sentado em cima dos recursos? Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Ontem
comecei a falar da Neojibá, a orquestra estatal juvenil baiana
inspirada na Venezuela, que vocês podem ver tocando com Martha Argerich aqui, ou dando um show com “Aquarela do Brasil” aqui, e me desviei do assunto que pretendia tratar.
Como
a Cultura está na mão de tuiteiro e a direita, salvo raras exceções,
não liga pra cultura, acabo me inteirando do assunto pelos perfis no
Twitter do cineasta Josias Teófilo e do sociólogo Eduardo de Alencar.
Josias
é cineasta e o sociólogo é roteirista do seu documentário “Nem tudo se
desfaz”, a dupla está mais inteirada da Secult do que eu, mera escritora
de um veículo privado, a quem bastam o salário e o computador com
internet para trabalhar. Fazer cinema é uma mão de obra danada e muitas
vezes envolve dinheiro público.
Baixaria contra apoiadores do governo que critiquem a Secult
O
próprio Josias já chegou a escrever em público, sem desmentido, que
recebeu telefonema do presidente pedindo que renunciasse a dinheiro
captado pela Rouanet, o que ele fez, mas o filme saiu mesmo assim. E ele
segue sendo xingado em público pelo secretário André Porciuncula e por um tal de Paulo Chuchu, ex-assessor de Eduardo Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro é quem banca Porciuncula no cargo e é usado por este para dar uma aura de respeitabilidade às suas atividades tuiteiras.
Josias
apoia o governo, abriu mão de dinheiro captado para um filme acusado de
governista e é tratado assim pelas nulidades que ocupam a Secult. A última xingação contra ele foi ontem mesmo por ter compartilhado o último texto desta escritora referida como “amiguinha do cineasta”.
Bom,
devo dizer então que também sou uma apoiadora do governo, e, mais do
que isso, cheguei a usar, neste jornal, a pessoa inofensiva do Sr.
Porciuncula para defender os bolsonaristas das acusações de violentos
que lhe são feitas. A imprensa tradicional não diz que todos esses
olavetes do governo que ficam xingando muito na internet são extremistas
que ameaçam matar os seus críticos? Escrevi que eu brigava com olavetes
na internet e nunca sofri qualquer tipo de ameaça; que nem de André
Porciuncula, que era PM na mesma cidade que eu e portanto sabia usar
armas, eu tinha medo. Disse
que André Porciuncula jamais me ofereceu nenhuma ameaça, e que esse
povo que se diz ameaçado de morte pela “extrema direita” sem fazer BO é
loroteiro.
Qual
foi a reação de André Porciuncula a isso? A única reação que o seu
cérebro parece ter aprendido. Sapos coaxam; pássaros piam; gatos miam;
Porciucula lacra. Deu uma captura de tela print na minha coluna e
tuitou: “Rindo demais com esta parte de uma matéria [sic] no [sic]
Gazeta do Povo. Que tipo orégano estragado estão dando para as pessoas
que escrevem para o @gazetadopovo?”
Sobrou até para este jornal, entendido por ele como um fumódromo verde. Todo mundo que o critica é maconheiro.
Buááááá
Se
eu quisesse processar, processava. E se eu processasse, ele iria se
fazer de vítima, mártir pregado na cruz por maconheiros. A reação dele e
de Frias ao meu último texto foi dizer que é óbvio que estão
trabalhando na cultura porque… Estão tomando processos. Cito a sequência
de tuítes:
“Temos
mais de 78 processos, todos motivados pelas diversas ações que fizemos.
As principais delas: portaria proibindo linguagem neutra; portaria
proibindo passaporte sanitário; decreto mudando toda a Lei Rouanet;
portaria mudando o eixo de investimento para patrimônio histórico,
formação profissional e arte sacra; instrução normativa forçando a
descentralização dos recursos para projetos iniciantes; tabelamento de
preços e redução de teto legal; auditoria e proibição de financiamento
ideológico com a lei; MP para garantir a liberdade de expressão nas
redes sociais e o uso de todo nosso orçamento para projetos de cultura
realmente popular. Lutamos para barrar diversas iniciativas desastrosas,
como a Lei Paulo Gustavo e a tentativa de emplacar uma Aldir Blanc
eterna, sendo que a primeira foi antes de entrar, quando o Mário tinha
poucos dias de governo, e ele trabalhou fortemente para mitigar os
jabutis do PL. Mas claro, para a amiguinha do cineasta, Mario é um
tuiteiro que nada faz. Está aprendendo bem com a mídia como fazer uma
campanha mentirosa de assassinato de reputação. Um ponto fora da curva
no [sic] Gazeta do Povo. Lastimável! São dois objetivos: (01) tentar
inviabilizar o único meio de comunicação com o público e (02) atingir o
presidente.”
Alguém
contou para ele, nesse ínterim, que a Gazeta não é um veículo lacrador.
Pelo teor da resposta, vocês veem a mentalidade chinfrim do cidadão:
uma montanha de canetada consiste em algo relevante. Eu gostaria que
projetos de gente que não sabe português fossem reprovados, embora ache
que essa é a consequência natural de um controle de qualidade
competente; além disso, eu, você, Roberto Carlos e as baleias sabemos
que o STF barra qualquer coisa contra linguagem neutra. E como seria a
aplicação dessa regra? Seria exigido um certificado de ausência de
linguagem neutra? Bom, uma peça que quisesse satirizar o uso dessa
linguagem conteria palavras nessa linguagem, tornando-se assim
inelegível pela Rouanet.
De
um modo geral, ele se gaba de proibir coisas e de pôr empecilhos aos
artistas na captação de recursos. (E encontrei até gente se queixando de
não conseguir acessar a emenda de Ana Caroline Campagnolo para a
cultura catarinense por causa da tal da auditoria da Rouanet.) Quanto às
alegadas novas ações da secretaria, há que se ter ceticismo. Josias e
Eduardo constataram – sem desmentido – propaganda de programas
pré-existentes como se fossem novidade. Tendo o meu estado por base,
posso dizer que formação de museólogo não é problema; eu mesma dei aula
para turma de museologia na UFBA e tem o curso na UFRB também. Lugares
como a Bahia, Minas Gerais e Pernambuco não passaram a ter experts em
arte sacra no século XXI, não é mesmo?
Não
tenho nenhum interesse em desestabilizar o presidente. Digo a quem
quiser ouvir que, apesar da Cultura, o apoio – e, ao contrário da dupla
de tuiteiros estatais, não recebo nem um centavo por isso. Do jeito que
eles falam contra quem recebe dinheiro público, parece até que eles
trabalham tuítam de graça.
Ao
contrário do que esse cérebro primitivo pensa, não tenho nada contra o
Twitter em si mesmo. Eu uso, a Gazeta usa e aprovo o uso que o
presidente tem feito. Mas Porciuncula acha
que minha crítica quer dizer que usar Twitter é “Crime máximo. Sabe
como é, isso tira o monopólio da informação da turminha dos jornais.”
Ah, bom! Agora eu reclamar de tuiteiro estatal que não trabalha é querer
impedir o uso do Twitter para aumentar o leitorado do jornal!
Importa que nada seja feito
De
todo modo, eu comecei a escrever o texto de ontem por causa de um
sincericídio que explica muito da atual situação da Secretaria de
Cultura. Enquanto cumpria o expediente, que inclui lançar indiretinhas
contra Josias Teófilo no seu local de trabalho (o Twitter), Porciuncula
mandou esta pérola de sapiência:
“O sujeito que trata a cultura como ofício é um idiota arrogante que
não tem a menor ideia da amplitude e profundidade dessa coisa mística
que convencionamos chamar de cultura.”
Ou
seja: não tem mais artista profissional. Ao que parece, vai valer o
ideal marxista segundo o qual todos farão trabalho e crítica literária
no mesmo dia. Cantora lírica agora vai treinar no chuveiro. As
Orquestras Sinfônicas serão extintas. Um novo Michelangelo vai surgir
com o exercício das horas vagas, sem um treinamento intenso.
Continuemos
com a sequência de tuítes desse gigante da cultura ocidental: “Toda vez
que alguém arrotar que é um produtor de cultura, atribuindo a si uma
distinção inexistente ao resto da raça humana, como se fosse possível
algum ato humano em sociedade que não fosse um ato cultural, saiba que
você está lidando com um medíocre arrogante. Tudo que essa mediocridade
de contentamento olímpico merece é o escárnio ou o ostracismo.”
Com
base num sofisma, numa questiúncula linguística, esse sujeito resolveu
que não existe diferença entre um artista profissional e um tuiteiro
medíocre. Por isso acha que ficar levantando obstáculos burocráticos a
quem de fato quer produzir cultura profissionalmente é uma coisa
louvável em si mesma. Ele não seria capaz de acompanhar um debate como o
do meu último texto – a saber, sobre o papel estatal de fomentar uma
cultura superior à comercial, daí eu citar a Neojibá –, porque
Porciuncula não é capaz de entender que o trabalho artístico existe e é
superior a tuítes pedantes.
Até
quando esse senhor vai ficar lacrando com dinheiro público, sentado em
cima dos recursos? Quando os recursos saem – e uma hora eles saem – não é
de admirar que seja por meio de um gabinete de oposição, que sabe muito
bem diferenciar o trabalho legislativo da lacração tuiteira.
Vamos
mesmo passar pelo Bicentenário da Independência com uma nulidade dessas
que não sabe o que é uma Orquestra Sinfônica e ainda fica
desrespeitando apoiadores leais ao governo? Isto não faz o menor
sentido!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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