Para Silvia Matos, o Brasil vive muita incerteza, com juros altos e pouco espaço para gastos públicos. Entrevista ao Estadão:
Brasil
entrou na pandemia com uma economia mais frágil que a de outros
emergentes, enfrentou o período sem planejamento e saiu dela
desrespeitando regras fiscais, o que cria incertezas e reduz
investimentos, segundo análise da economista Silvia Matos, do Instituto
Brasileiro de Economia (FGV/Ibre).
Esse
cenário levará o País a um desempenho fraco em 2022. “A incerteza na
economia brasileira é muito alta e o contexto é de limitações do
crescimento, com juro alto e sem espaço para gastos públicos”, diz ela,
que prevê um PIB de 0,7% no ano que vem.
De
acordo com a economista, a situação poderia ser mais positivo, pois
algumas reformas foram feitas nos últimos anos e deveriam ajudar na
retomada. Medidas populistas, como o Auxílio Brasil – criado sem
planejamento e discussão –, no entanto, impedem uma melhora da economia.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O
Brasil está entre os emergentes que devem registrar pior desempenho
econômico em 2022. O que difere o Brasil desses países de perfil
semelhante?
O
desempenho depende de como eram as condições antes da pandemia, de como
o País lidou com a pandemia e das consequências da pandemia. Antes da
pandemia, já estávamos em uma situação complicada. O crescimento do
Brasil nos três anos depois da recessão de 2015 e 2016 foi muito ruim. A
produtividade estava estagnada, havia muita informalidade e desemprego
alto. Tivemos o choque da pandemia em cima de uma economia com muitos
problemas. Depois, pelo fato de não termos tido uma estratégia nacional
de combate à pandemia, também temos um desempenho pior agora. Poderíamos
ter tido uma queda maior da economia no começo da pandemia devido a
medidas de restrições mais rígidas, mas também uma melhora mais rápida. A
gente não quis lidar muito em um primeiro momento com o problema. Teve
ainda uma questão de fechar os olhos quanto a gravidade e a persistência
da covid. Não nos preparamos para lidar com o Orçamento. Quando você
vai para uma guerra, tem de se preparar. Não só se preocupar em vencer
uma batalha. Aí criou-se, no início deste ano, uma expectativa de
retomada, mas ela perdeu o fôlego, porque bateu em restrições.
O que devia ter sido feito?
(O
País) tinha de ter se preparado: pensado em uma política de proteção
social para os informais, por exemplo. O governo não fez isso e, agora,
com as eleições chegando, resolveu não seguir regras fiscais. Se tivesse
se programado tecnicamente para um programa social, discutido valores, o
risco e a volatilidade poderiam ser menores agora. Como isso não
ocorreu, o mercado avaliou que o governo não tem compromisso. O
populismo tomou conta. Aí o risco é maior, e o juro tem de subir mais.
Nesse meio tempo, vem também um problema estrutural: a questão hídrica.
Se não chove, não temos como crescer.
O Ibre projeta alta de 0,7% no PIB para 2022. Quais serão os principais fatores responsáveis pelo desempenho fraco?
Parte
importante vem do fato de não haver solidez fiscal. O Orçamento hoje é
muito restrito e ainda tem eleição em 2022. Agora, a incerteza política e
fiscal é muito grande desde o impeachment (de Dilma Rousseff), mesmo
com o avanço de reformas microeconômicas. Esse cenário, aliado ao juro e
ao câmbio altos, afetará o investimento e toda a economia.
Resumidamente: a incerteza na economia brasileira é muito alta e o
contexto é de limitações do crescimento, com juro alto e sem espaço para
gastos públicos.
O cenário internacional, que afeta todos os emergentes de forma semelhante, também não deve ajudar o Brasil em 2022, certo?
No
primeiro trimestre deste ano, houve uma ilusão de que o mundo e o
Brasil iam bombar, de que a pandemia não teria maiores consequências
econômicas. Mas hoje há uma inflação alta de oferta. A China, que antes
contribuía para uma inflação baixa no mundo, não consegue mais fazer
isso. Está com uma limitação em sua oferta por conta do problema de
energia e também da pandemia. Estamos em um período de inflação alta em
todo o mundo que já está afetando o crescimento. A festa vai acabar mais
cedo porque o juro vai subir. Já está subindo em emergentes. Era para
estarmos saindo da pandemia radiantes, mas a vida é dura. Ainda mais no
Brasil, onde estamos saindo com um déficit primário maior. A festa durou
só um semestre e não nos preparamos para o fim. Estamos colhendo menos
do que plantamos, porque até fizemos algumas reformas microeconômicas,
mas aí veio o custo do populismo: mais inflação, juro mais elevado e
menor crescimento. A pandemia não é a culpada por tudo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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