Por que é justo a presença de atletas trans no esporte? Para médico e professor de Saúde LGBTQIA+ há argumentos técnicos que explicam a pergunta
A levantadora de peso neozelandesa Laurel Hubbard, de 43 anos, se tornou a primeira transgênero classificada para uma edição de jogos Olímpicos e levantou o debate sobre o assunto
Os jogos olímpicos Tóquio começam nesta sexta-feira, 23, e trazem um fato histórico que tem gerado discussões entre competidores e espectadores dos esportes: a presença de atletas transgêneros nas equipes. Em geral, não há críticas quando falamos de homens trans disputando competições ao lado de homens cisgênero. Mas, quando invertemos a situação, levanta-se a polêmica. É justo mulheres trans, que nasceram em corpos com características masculinas, disputarem competições com mulheres cis? É o caso da levantadora de peso Laurel Hubbard, de 43 anos, uma das atletas da Nova Zelândia na delegação olímpica em Tóquio. Ela é transgênero e participa da competição dentro do regulamento, já que, desde 2015, mudanças nas diretrizes do Comitê Olímpico Internacional permitiram que pessoas designadas como meninos ao nascimento que se identificam como mulheres disputem na categoria feminina, cumprindo alguns requisitos.
O médico e coordenador de pós-graduação de psiquiatria da Sanar, Saulo Ciasca, é professor de Saúde LGBTQIA+ e membro da WPATH - World Professional Association for Transgender Health, além de ter um livro publicado na área (Saúde LGBTQIA+: práticas de cuidado transdisciplinar). Para ele, existem argumentos técnicos que nos permitem entender o assunto. “As regras do COI citam a exigência das mulheres trans fazerem uso de bloqueadores de testosterona, para atingir níveis abaixo de 10 nanomoles por litro por pelo menos 12 meses, o que reduz significativamente as funções musculares, capacidade pulmonar, quantidade de hemácias e colocam essas atletas dentro de um patamar que torna justa a competição com mulheres cis”, explica. O regulamento exige ainda a declaração da identificação como mulher por um período mínimo de quatro anos.
A dimensão inclusiva do esporte é outro fator que precisa ser levado em consideração na visão do médico e professor. “Pessoas trans dificilmente acessam o esporte na infância ou adolescência, justamente porque estão passando por desafios em relação a aceitação do próprio corpo, enfrentando inclusive preconceito. O esporte precisa ser um ambiente de justiça e de inclusão, ver um atleta trans competir em um nível olímpico é uma grande vitória, já que foi uma caminhada com muitos obstáculos a mais do que uma pessoa cis”, afirma Saulo.
Outro argumento utilizado pelos contrários à participação de mulheres trans nas competições se baseia na estrutura corporal. “De fato há uma diferença na estrutura corporal, mas essa é inerente ao esporte, inclusive entre atletas cis. Algumas pessoas são mais altas, fortes, ou tem características físicas que facilitam o desempenho em alguma atividade física e nem por isso são impedidas de competir”, exemplifica Saulo Ciasca. O médico esclarece ainda que o uso dos hormônios em geral tem como consequência efeitos colaterais psicológicos, que também afetam o desempenho dos atletas. “Tóquio traz esta novidade e as pessoas precisam se permitir conhecer o assunto para superar preconceitos e compreender como a medicina LGBTQIA+ tem atuado também neste cenário diferente”, completa.
Sobre Saulo Ciasca
É médico psiquiatra pela USP. Coordenador da Pós-Graduação em Psiquiatria da SANAR. Coordenador da Área da Saúde da Aliança Nacional LGBTI+. Membro da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB. Membro da WPATH - World Professional Association for Transgender Health. Professor de Saúde LGBTQIA+ (UNISAL, FMABC, IBCMED e FMUSP). Editor do livro Saúde LGBTQIA+: práticas de cuidado transdisciplinar.
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Victor Lopes
PR Sanar
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