Há um plano de esculachar (mais ainda) a universidade pública para entregar tudo aos monopolistas do ensino privado vagabundo. A universidade agora vai ter que engolir esse petismo 2.0 do novo ministro de Bolsonaro. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:
Mês
passado me aconteceu um verdadeiro milagre. Seguindo o rito masoquista
de ler os e-mails institucionais da Associação Nacional da Pós-Graduação
em Filosofia (ANPOF) e da Universidade Federal da Bahia, qual não foi
minha surpresa ao encontrar, no desta última, uma crítica perfeitamente
sensata ao governo federal?
Li
mais de uma vez, para ver se entendi bem. Como que contando com o meu
ceticismo, o comunicado trazia um anexo com documentos mostrando o Reuni
Digital. Dito de uma maneira bem simples, o governo federal agora quer
criar mais uma Universidade Federal – a Universidade Federal Digital –
para expandir ainda mais as vagas, desta vez com EAD.
A
Gazeta do Povo já abordou a questão nesta matéria e já trouxe as
críticas de professores governistas que também são contrários à medida. A
crítica mais óbvia, de uma obviedade ululante, é a de que os alunos já
entram semianalfabetos. Vai expandir mais como?! Foi o que apontaram os
professores Marcelo Hermes-Lima e Pedro Caldeira, ambos do Docentes Pela
Liberdade, grupo de apoiadores do governo.
O Reuni “analógico” já foi uma catástrofe
A
primeira coisa que pensei ao ler o nome “Reuni Digital” foi que o
Reitor João Carlos Salles tinha posto um apelido no projeto para lhe dar
uma clara conotação negativa. Porque não é possível alguém achar que o
Reuni foi uma boa coisa. Como já expliquei neste espaço, o Reuni foi o
projeto de reestruturação e expansão das federais implementado por
Fernando Haddad. Foi com esse projeto que as federais se tornaram
máquinas de propaganda identitária (com cursos e concursos novos) e um
antro de semianalfabetos (com a expansão). É de fato espantoso que o
governo Bolsonaro siga essa excrescência – e com o agravante do EAD.
Com
a pandemia, praticamente todo professor se queixa do modelo de sala de
aula implementado nas coxas. O professor dá aula sem saber se o aluno
está mesmo ouvindo, já que eles deixam as câmeras fechadas para não
pesar no consumo de Internet. Depois, ele tem de contar com a boa fé do
aluno na hora da prova, já que aparentemente os alunos vão todos morrer
caso não compareçam a uma sala para fazer a prova. Estes são apenas os
problemas que atingem qualquer disciplina. Nas que não são só teóricas e
requerem prática, esse EAD nas coxas está causando prejuízos ainda
maiores. Eu é que não quero ser atendida por médico formado nesse
esquema.
Os cursos preliminares causam evasão
Falando
em UFBa, um dos redatores do REUNI era o então reitor Naomar de
Almeira, que parecia querer entrar pra história como um Anísio Teixeira
Segundo por meio de um trambolho chamado Universidade Nova. Na Bahia, há
uma lenda urbana segundo a qual os militares sabotaram o elevador de
Anísio Teixeira para ele cair, porque sua educação era tão
revolucionária que eles precisariam matá-lo. Mas quase todas as reformas
propostas por Anísio Teixeira – como a extinção das cátedras, a criação
de departamentos, o fomento à pós-graduação – foram seguidas pelos
militares. A esquerda da época não gostava de Anísio Teixeira; gostava, e
ainda gosta, de Paulo Freire. Anísio Teixeira é mania de esquerdista
apenas entre os baianos.
Algo
que ficou mais ou menos de fora, dentre as propostas de Anísio
Teixeira, era a interdisciplinaridade. Ele criticava a independência
completa entre os cursos e achava que os alunos deveriam poder pegar
matérias de outras faculdades – um físico cursar filosofia antiga, por
exemplo. Na teoria, isso foi implementado; na prática, não houve adesão.
Outra ideia de Anísio que não foi implementada é a pré-graduação, em
que o aluno ganhava conhecimentos generalistas antes de entrar no ensino
superior propriamente dito. A pré-graduação serviria para corrigir
deficiências escolares.
O
que fez Naomar de Almeida? Inventou o Bacharelado Interdisciplinar
(BI), o curso não de pré-graduação, mas de graduação, em que os alunos
são apresentados às disciplinas da interdisciplinaridade (uma espécie de
quadratura do círculo), que na prática consistem em identitarismo, com o
Prof. Colling falando sobre o fim da linha do nosso sistema digestivo.
Anísio
Teixeira se revira no túmulo. Além disso, quando o curso foi
implementado na UFBa, os alunos do BI podiam cursar qualquer disciplina
oferecida pela universidade. Evidentemente, foi um bafafá e o reitor
teve que voltar atrás, proibindo os alunos do BI de cursarem disciplinas
com pré-requisitos. Mas o BI foi criado como modo único de ingresso em
algumas federais posteriores ao Reuni, sendo a mais famosa delas a
UFABC, de São Paulo.
Uma
vez terminado o BI, os alunos vão para um bacharelado normal. Como
informa a Gazeta do Povo, o Reuni Digital comprou a ideia: “Outra
novidade [sic] da proposta é a adoção de um ciclo básico, de um ano, em
cada ‘área do saber’. Nesse sistema, o universitário não seria
selecionado para um curso específico, mas para uma área geral (como as
Ciências Humanas, por exemplo). Apenas depois do primeiro ano é que o
aluno decidiria qual curso seguir. ‘Nos casos dos cursos mais
concorridos as notas do estudante no primeiro ano podem ser usadas como
critério de seleção’, explica a minuta.”
Isso
não é novidade nenhuma. É assim na UFABC, onde você primeiro termina um
BI de alguma “grande área” e depois escolhe o curso. É assim na UFBa,
onde os alunos que entraram na vaga de algum BI (existem BIs em Humanas,
Artes, Saúde e Ciência e Tecnologia) vão depois para um curso comum,
chamado de “CPL” (curso de progressão linear).
Pergunta
aos universitários: qual será o curso mais concorrido? Medicina ou
Bacharelado Interdisciplinar em Saúde? Quantos por cento dos alunos do
BI de saúde quererão cursar Enfermagem em vez de Medicina? E quantos do
BI de Humanas quererão Filosofia em vez de Direito?
Para
resolver a questão, a administração considera que as notas dos alunos
ao longo do curso valem como seleção. No frigir dos ovos, os alunos do
BI passam anos fazendo um vestibular, com a tensão de vestibular. Tive
alunos assim: se tiravam nota 9, ficavam angustiados, porque não sabiam
se conseguiriam entrar em Psicologia. Assim, o aluno do BI vive numa
tensão constante.
E
quando o aluno tira um 8 e constata que não vai conseguir entrar para o
curso que quer, o que acontece? Ele larga o BI, aumentando a evasão que
o Reuni Digital (tal como o Reuni analógico) diz querer evitar. Ah, e
na UFBa essa reserva de vagas para egressos do BI ainda causou a redução
de vagas ofertadas para o vestibulando. (Já inventaram uma palavra
análoga a “vestibulando” depois do fim do vestibular?) Menos
preenchimento de vagas ainda, já que o aluno do BI em geral nem quer os
cursos menos concorridos.
Computadores para todo mundo
Outra
coisa que não é nada original e que me lembra as estrepolias do eterno
Reitor Naomar é a farra da distribuição de computadores. Uma vez
encerrados os 8 anos como reitor na UFBa, Naomar foi reitor pro tempore
da UFSB, criada por ele no Sul da Bahia, e passou incontáveis anos como
reitor até ser posto fora do cargo por uma espécie de motim acadêmico.
Mas a universidade foi criada a seu gosto, com ingresso exclusivamente
por BI ou pela novidade do LI (licenciatura interdisciplinar), com
quadrimestre em vez de semestre e com computador para todo mundo.
O
jornalismo baiano infelizmente é muito centrado em Salvador. Só
consegui ter uma ideia de como era a recepção à UFSB xeretando rede
social. Pelo que entendi, os alunos estavam furiosos porque ninguém
contou para eles que o BI de Saúde não era uma antessala natural do
curso de Medicina. Além disso os estudantes esculachavam bastante o
notebook recebido, falando de sua má qualidade.
De
resto, a proposta de distribuir tablet (e absorvente) para todo mundo
valeu a Tabata Amaral o apelido de Tablet Amaral. Tem coisa esquisita
aí.
Acho
que Weintraub tem razão e que há um plano de esculachar (mais ainda) a
universidade pública para entregar tudo aos monopolistas do ensino
privado vagabundo. Pena que a UFBa não o apoiou e agora vai ter que
engolir esse petismo 2.0 do novo ministro de Bolsonaro.
blog orlando tambosi
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