Artigo de Fernão Lara Mesquita, m seu blog O Vespeiro:
A
discussão sobre qual imposto é justo ou injusto não leva a lugar algum.
Mas o que, sim, faz toda a diferença do mundo é a quem você dirige essa
pergunta na hora de baixar um: a quem vai cobrar ou a quem vai pagar o
imposto pretendido.
“No
taxation without representation” foi o slogan que detonou a revolução
americana. Vinha solidamente estabelecido o princípio desde a Guerra
Civil inglesa que desaguou no Bill of Rights de 1688, o documento que
estabeleceu definitivamente a hegemonia do Parlamento sobre a coroa
britânica. Estavam ali contemplados, além de eleições livres e regulares
para o Parlamento e a liberdade de expressão na casa dos representantes
do povo, o julgamento pelo juri, a liberdade de religião e a proibição
do estabelecimento de impostos sem a autorização do Parlamento, isto é,
dos representantes eleitos de quem vai ter de pagá-los.
Junto
com a Magna Carta de 1215, que foi a pedra fundamental, e a Petition of
Right de 1628, contra os “empréstimos forçados” impostos na lei marcial
baixada por Charles II obrigando o povo a abrigar e alimentar seus
soldados (ou seja, dispondo como quisesse da propriedade individual), a
Bill of Rights de 1688 que, com a vitória da “Revolução Gloriosa”, põe
fim ao conflito da dinastia Stuart com o Parlamento e afasta
definitivamente o absolutismo monárquico da Inglaterra, compõem os
documentos legais básicos, em vigor até hoje, que integram a
“constituição não escrita do Reino Unido”.
São
eles também que são reproduzidos em muitas das 9 primeiras emendas à
Constituição dos Estados Unidos da América que, fechadas com chave de
ouro pela 10a, compõem a parcela dela conhecida, igualmente, como Bill
of Rights.
Ainda
assim não bastou a separação até aí providenciada do Poder Político e
do Poder Econômico. Erraram na dose, os “fundadores”, tanto dos freios
que aplicaram ao poder do povo de limitar o Poder Político, temerosos
que estavam de uma “ditadura da maioria” sem atentar que a alternativa é
uma ditadura da minoria, quanto da liberdade que concederam ao Poder
Econômico, de crescer ilimitadamente desde que fosse à custa de esforço e
não de privilégio. A combinação da blindagem excessiva dos mandatos dos
representantes eleitos com a liberdade excessiva para empreender num
mundo que em 1787 ainda era exclusivamente rural e tocado a músculo,
desaguou, um século depois nos monopólios da Revolução Industrial e na
corrupção galopante que em tudo fazem lembrar o mundo “achinesado” de
hoje e que, então como agora, era incompatível com as liberdades
democráticas.
Veio
então, com Theodore Roosevelt e os “progressistas”, a hoje subestimada
2a etapa da revolução democrática americana, que foi o caráter
decididamente “antitruste” que ela assumiu, na virada do 19 para o 20,
adotado graças às ferramentas de democracia direta com que a reforma pôs
o poder concretamente nas mãos do povo: o recall, o referendo e a
iniciativa de leis. Foi esta, e não a 1a etapa da revolução, que
resultou naqueles Estados Unidos do século 20 que fizeram a humanidade
dar o salto definitivo. Ao entregar ao povo o controle do seu próprio
destino, ela abriu-lhe as portas da abundância, da ciência e da
conquista do Universo.
Sistole
e diástole. É em imitar a vida que está a beleza da democracia. Ensaio e
erro. Ajustes sucessivos. Reforma permanente. Por isso tem de ser
“aberto” o sistema. A “petrificação”, a imobilização, sinônimo de morte,
é o instrumento do privilégio. As ferramentas de empoderamento do
eleitor sobre os eleitos fecundaram a democracia americana até o início
da Primeira Guerra. Mas então, e até depois da Segunda, também eles
foram arrastados para a conflagração, e o exercício desses poderes foi
sendo desacelerado pelas circunstâncias.
A
chama revolucionária só viria a reacender na Califórnia de 1978 com a
celebremente incendiária Proposition nº 13. O Estado crescera
desmesuradamente sobre a cidadania com o instrumento de sempre. Os
impostos sobre as rendas individuais, que até 1950 estavam abaixo de 10%
na média nacional, já tinham subido para mais de 20. E de um ano para o
outro o governador da Califórnia aumentou abusivamente o imposto
territorial, equivalente ao nosso IPTU.
Howard
Jarvis, um típico self made man que em poucos anos construira do zero
uma cadeia de jornais semanais levantando as bandeiras do povo contra o
Estado, retomou o mote original da Revolução Americana com uma proposta
de lei popular que reduzia o IPTU pretendido pelo governador em 57% e
estabelecia que, daí por diante, o imposto não poderia subir mais que 1%
do valor venal dos imóveis na cotação do ano fiscal de 75-76 ou do
aumento da inflação do período até o limite de 2%, o que fosse menor. A
lei também proibia os legisladores de alterar essa regra. Somente por
maioria de ⅔ ficavam autorizados, na melhor hipótese, a propor
alterações para a decisão direta do povo no voto.
A
lei foi aprovada por 64,79 a 35.21% dos votos, que os semanários de
Jarvis comemoraram com editoriais em que diziam: “Agora sabemos como
eles se sentiram quando atiraram o chá dos ingleses ao mar em Boston.
Temos uma nova revolução. Estamos mandando o governo se foder”. E não
deu outra. De estado em estado leis de iniciativa popular baseadas na
Proposition nº 13 da Califórnia foram sendo passadas, de eleição em
eleição, numa saudável competição da cidadania para ver quem enquadrava
melhor os seus políticos.
O
novo auge deu-se em 1992, no Colorado, onde Douglas Bruce, outro Zé
Ninguém com os poderes próprios de uma democracia sem aspas, conseguiu
aprovar sua proposta da primeira Taxpayers Bill of Rights – TABOR,
acompanhada da Amendment nº 23 à constituição estadual, que estabelece
uma fórmula que inclui o crescimento populacional ponderado pela
inflação como limite para o aumento de qualquer imposto, alterável
somente por voto popular com maioria de ⅔. A TABOR estabelecia ainda
aumentos continuados da fatia do bolo arrecadatório para educação em
detrimento das outras contas públicas e, ainda, que qualquer aumento de
arrecadação acima de um limite reverteria para um fundo em nome dos
contribuintes.
A
TABOR iniciou outro debate nacional que continua vivo até hoje. Não foi
reproduzida como regra fixa porque a fórmula provoca distorções
técnicas, mas foi aplicada aos pedaços no país inteiro onde hoje, como
regra geral, não se toca em impostos senão com consulta popular direta, e
inúmeros estados e cidades determinam, também por esse meio, como se
gasta aquilo que se arrecada.
Tudo
isso nos diz que, para falar em democracia de modo a não nos trazer à
mente a imagem de povos primitivos adorando um avião de pau que nos vem
ao assistir às nossas CPI’s, tomar conhecimento das decisões do STF “em
defesa do estado democrático de direito” lá dele, ler os editoriais que a
“grande mídia” escreve a esse respeito ou mesmo discutir a nossa eterna
reforma tributária, seria bom que os brasileiros cuidassem de aprender o
que significa essa palavra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário