MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 4 de julho de 2021

Impacto da pandemia atinge o tratamento de outras doenças

 

POLITICA     LIVRE
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Um ano e três meses após a pandemia de Covid-19 ganhar forma no Brasil, médicos estão preocupados com outra onda silenciosa que já se desenha no horizonte e tem tudo para se somar à alta mortalidade provocada pelo coronavírus. Abandono do tratamento, dificuldade de acesso aos serviços de saúde e maus hábitos podem aumentar a tragédia nos próximos meses.

Levantamento feito pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), em parceria com a organização Vital Strategies e com a Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) mostrou que, entre 1º de janeiro e 17 de abril deste ano, houve 211.847 mortes a mais do que o esperado, principalmente entre homens (64% de excesso de mortalidade no geral).

Apesar do impacto evidente da Covid-19 sobre esses números, a preocupação agora é que, nos próximos meses, pacientes de doenças crônicas que abandonaram ou não conseguiram realizar seus tratamentos venham a ampliar esse montante.

A médica Fátima Marinho, epidemiologista e assessora sênior da Vital Strategies, diz que o coronavírus traz impactos ao sistema de saúde não apenas na fase crítica da doença, o que deve acender um alerta entre gestores públicos.

“Temos pelo menos 1,7 milhão que esteve hospitalizado e continua doente”, explica. “A Covid-19 deixa muitos sequelados, mesmo entre aqueles que tiveram sintomas leves. O que preciso fazer? Replanejar o serviço de saúde, a força de trabalho e a rede física de atendimento”, completa a epidemiologista.

Segundo a especialista, é necessário também informar uma parcela da população que, historicamente, não dá a devida atenção aos cuidados com a própria saúde. “É preciso que se fale para os homens. São eles que estão morrendo ou vão ficar sequelados. Quem de fato tem o comportamento de risco e é mais vulnerável. Vocês estão morrendo. Pensem bem, vocês podem se salvar”, afirma Fátima.

‘Não sabia como lidar com a Covid-19’

A Covid-19 não poupou Juliana Ferreira, 35 anos, que teve 25% do pulmão comprometido pelo coronavírus em maio do ano passado. A situação foi ainda mais complicada porque ela tem diabetes, insuficiência renal e faz hemodiálise três vezes por semana.

“Não sabia como lidar com a doença. Muitos diziam que pacientes com doenças crônicas não sobreviveriam”, diz Juliana.

Ela, que relata a sua relação com diabetes no perfil Juzinha Barbiebética no Instagram, diz que ainda sofre com os efeitos dos nove dias em que ficou isolada. “Foi um desgaste emocional, que sinto até hoje. Você escuta tanto”, conta. “Hoje, faço a hemodiálise em hospital particular, não é no da rede pública. Venho com medo”, diz Juliana.

A advogada Debora Aligieri também trata da diabetes e faz parte do conselho de saúde da capital paulista. Ela conta que, no último ano, foram muitos os relatos de dificuldades no atendimento. “Nesse momento, a gente está com a demanda reprimida.”

Segundo Debora, houve redução na dispensação de insumos para os pacientes no início da pandemia, como as fitas de medição de seringas. “Não foi um caso isolado”, diz.

Endocrinologista observa aumento de problemas com pacientes

Endocrinologista e conselheira da ADJ Brasil (Associação de Diabetes Juvenil), Vanessa Montanari diz que muitos pacientes ficaram distantes do consultório médico no primeiro ano de pandemia da Covid-19 e chegam agora com uma série de problemas.

“Pego pacientes muito descompensados de diabetes, que perderam vista, rim, porque não tiveram o devido acompanhamento, ficaram sem receita. Às vezes, até tinham acesso, mas ficaram com medo de se expor”, afirma Vanessa.

Segundo a especialista, nem sempre as alternativas são acessíveis à maioria dos pacientes. “Tentamos campanhas para fazerem teleconsulta, telemedicina, mas a maioria dos pacientes de diabetes tipo 2 não tem muita facilidade. Crianças têm dificuldade, imagine um senhor de idade para mexer com internet, Zoom? Por mais que queiram, não conseguem”, afirma.

A endocrinologista aponta ainda as falhas no processo de educação em saúde como obstáculo. “Quando educo, explico os tratamentos, como funciona a insulina, a alimentação, e ele [paciente] vive com mais autonomia. No Brasil, não existe essa visão de educação em saúde, com autonomia para viver sozinho”, explica.

Cardiologista vê impacto maior em pronto-socorro

Diretor científico da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), Fernando Bacal afirma que é muito provável que a falta de acompanhamento médico durante a pandemia traga sobrecarga, principalmente, no setor de emergências dos hospitais.

“Vai impactar, porque os pacientes têm mais dificuldade para conseguirem consultas regulares, de rotina. O que vai acontecer é que vai sobrecarregar os prontos-socorros. Os pacientes vão descompensar, passar mal e procurar [serviço de emergência]. É difícil mensurar em números, mas vai acontecer”, afirma.

O cardiologista diz que a periodicidade das consultas varia conforme a gravidade da situação, mas nunca deve ser superior a um ano. “A gente recomenda que um paciente que tem riscos maiores, como insuficiência cardíaca, infarto, usa stent, tem arritmia, hipertensão em estágios 2 e 3, seja visto semestralmente. Os de check up, controle de colesterol, não devem ficar mais de um ano”, afirma.

Segundo Bacal, a situação atual é crítica principalmente porque muitos têm descuidado da saúde de forma geral. “A mensagem é que continuem se cuidando, mesmo na pandemia. Não deixar de fazer atividade física, com segurança. Os pacientes estão engordando três a quatro quilos”, explica.

Falta de controle e mudança de hábitos preocupa oncologista

Presidente da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), Clarissa Mathias afirma que a melhor maneira de curar um câncer é tratá-lo antecipadamente, o que deixou de ocorrer com parte das pessoas durante a pandemia.

“A gente acha que vai ser muito difícil conseguir os níveis de controle, redução de mortalidade, como tivemos no passado. Não é algo só do Brasil, mas mundial”, afirma. Segundo a oncologista, hábitos adquiridos por parte da população durante os últimos meses também podem influenciar no surgimento da doença.

“Uma outra coisa que aconteceu é que muita gente começou a fumar, a beber e engordou mais, fazendo menos exercícios, o que favorece o câncer”, explica.

‘Alguns serviços estão fechados para pacientes crônicos’, diz médica

Endocrinologista e diretora da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo), Jacira Caracik de Camargo Andrade explica que o foco no coronavírus não deveria levar ao menosprezo a outras doenças.

“Infelizmente, o pessoal se voltou só para Covid-19 e esqueceu das outras doenças”, diz. “Alguns serviços não têm feito atendimento a pacientes crônicos. Fecharam as portas. Suspenderam o atendimento ambulatorial”, completa.

Sobre a situação dos diabéticos, Jacira lembra que não podem se descuidar. “Imagina esses pacientes sem tratamento? Já são grupo de risco. Em geral, a pessoa não é só diabética . Muitos são obesos também”, afirma.

O fato de as pessoas permaneceram muito tempo trancadas em casa por causa do risco de contaminação também pesa neste momento, segundo a endocrinologista. “Todas as pessoas deveriam pensar em sua saúde o tempo todo. Todo mundo ficou em casa, deixou de fazer atividade física, houve ganho de peso, o que leva a uma piora de diabetes, colesterol e obesidade”, diz

“Não é porque estamos nessa situação que não dá para fazer uma caminhada ou exercício em lugar aberto”, afirma. A endocrinologista também ressalta os cuidados com a alimentação. “Se não tiver bombom, chocolate, biscoito em casa, a pessoa não vai comer essas coisas. Então faça uma comidinha saudável”, diz.

Prefeitura e estado dizem manter atendimento

A Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), diz que, que o atendimento a pacientes oncológicos está sendo priorizado, e não houve descontinuidade no atendimento a este público.

A Secretaria Municipal da Saúde afirma que conta com o Protocolo Cuidando de Todos para promover ações de prevenção, conscientização, rastreamento, controle, tratamento e adesão das pessoas com DCNT (Doenças Crônicas Não Transmissíveis), estratégia da atenção básica que visa à diminuição de complicações e mortalidade associadas a essas doenças.

Segundo a prefeitura, o protocolo também estimula ações de busca ativa para ampliar o rastreamento na área de abrangência das UBSs (Unidades Básicas de Saúde), e posteriormente inserir as pessoas identificadas na linha de cuidado em saúde.

A Secretaria Estadual da Saúde, sob a gestão de João Doria (PSDB), diz que mantém o compromisso de fortalecer o SUS em todo o território estadual e tem se dedicado a salvar vidas e no enfrentamento da COVID-19, mantendo também assistência aos pacientes com outras patologias, sobretudo para casos de urgência e emergência.

Entre as iniciativas adotadas, o governo estadual afirma que, durante a pandemia, mais que triplicou o número de leitos de UTI no SUS, ao lado das prefeituras, de 3.500 para mais de 10 mil.

William Cardoso / Folha de São Paulo

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