A explosão de manifestações espontâneas mudou tudo e a repressão não consegue sufocar novas e surpreendentes vozes de protesto. Vilma Gryzinski:
Deve
dar um frio na espinha de muita gente quando quando o chefe da
maçonaria, uma organização tradicionalmente cautelosa e muito mais ainda
num regime totalitário, escreve uma carta ao presidente para manifestar
“nossa rejeição à sua posição à frente do país, por convocar incitar e
ordenar um enfrentamento com violência em relação ao povo cubano, também
detenções e violência contra manifestantes pacíficos e cidadãos que
pensam contra o sistema que o senhor representa”.
Foi
isso que disse José Ramón Viñas Alonso, uma das várias e surpreendentes
vozes que estão se levantando contra o regime liderado, pelo menos no
papel, pelo presidente Miguel Díaz-Canel.
O
líder da maçonaria foi convocado a prestar depoimento a agentes da
polícia política. Durante a sessão, foi aconselhado a escrever “sobre a
vacina e outras conquistas”.
Seria
quase humor negro se a situação não fosse tão mais perigosa para outros
que criaram coragem, ou se desesperaram o suficiente para fazer como um
homem anônimo que enfrentou aos gritos de “liberdade” uma turba de
centenas de pessoas convocadas pelo regime, geralmente dos Comitês de
Defesa da Revolução, para enfrentar os protestos. Foi dominado e jogado
no chão, debaixo de pancadas, a humilde camiseta rasgada, a voz
silenciada.
Os
cubanos que já estavam engajados em atos de resistência começam a ser
conhecidos mundo afora. São artistas plásticos, cantores de rap e outros
das áreas criativas onde o sufoco à liberdade de expressão é mais
sentido, fora dissidentes heroicos como Guillermo Fariñas e as valentes
Damas de Branco, ligadas à Igreja católica.
Mas
o real motivo de preocupação para o totalitarismo vem daqueles que se
criaram nas dobras do regime. Ou dos que nunca pensaram em assumir uma
posição pública, temendo, com razão, os muitos braços da repressão.
Uma
das manifestações mais simples e comoventes veio da Ring Pizza, cujos
donos escreveram no Facebook: “Depois de dez anos sendo sua pizzaria
favorita, hoje não estamos aqui para vender pizza, mas para dizer Pátria
e Vida, Abaixo o Comunismo e Liberdade para Cuba”.
“Chega
de tantas mentiras e de tanto sofrimento, o bloqueio termina quando
acabar o comunismo. Não queremos seu governo, não queremos você, caia
fora, Díaz Canel”.
Quando a pizzaria assume posições políticas desafiadoras, a coisa está feia.
Muito
mais ambíguo, o escritor Leonardo Padura disse que entre os
manifestantes do 11 de julho pode ter havido pessoas “opostas ao
sistema, inclusive algumas pagas”, mas nada tira a importância do grande
grito que se ergueu sobre a ilha.
“Impõem-se
as soluções que muitos cidadãos esperam ou reclamam, alguns
manifestando-se nas ruas, outros opinando nas redes sociais e
expressando seu desencanto ou inconformismo, muitos contando os poucos e
desvalorizados pesos que têm em seus bolsos e muitos, muitos mais
fazendo em resignado silêncio filas de várias horas sob o sol ou a
chuva”, disse o escritor ao El País.
A escolha cuidadosa das palavras talvez seja mais forte do que os ataques abertos ao regime.
Mais
contundente, a locutora Laritza Camacho, que foi apresentadora de um
programa diurno de televisão, posição que só poderia ocupar se passasse
no teste ideológico, escreveu uma carta aberta a Díaz-Canel nos
seguintes termos: “Esperei suas desculpas e sua demissão depois de ver o
caos e a violência que sua ordem direta provocou nos últimos dias”.
Ela
diz que “teria sido muito bom” se Díaz-Canel tivesse pintado os cabelos
grisalhos e se aproximasse incógnito dos “grupos de revolucionários
confundidos” – uma das designações dadas pelo regime aos manifestantes –
e, depois de “sentir na pele a primeira paulada” da polícia, entendesse
o que suas ordens haviam provocado.
Laritza
Camacho ressaltou que é filha de revolucionário, teve uma boa impressão
do presidente bonitão quando o ouviu anos atrás, não pertence a nenhum
grupo dissidente e sequer saiu às ruas no 11 de julho.
Días-Canel
deveria tirar pelo menos quinze minutos por dia para conversar com
pessoas do povo, sugere ela, “mas não as procure na fila do frango
porque só vai ouvir impropérios”.
A
locutora praticamente deu uma aula magna, passando pela economia – “a
estrutura fechada de nossas empresas propicia o roubo, a corrupção e a
pouca produtividade” – e chegando ao Partido Comunista de Cuba, em cujas
fileiras se encontram “muitos militantes sem moral, com pedidos de
visto para ir embora do país”, esperando a loteria da emigração.
“O
que está acontecendo em Cuba é tão grave quanto sem precedentes”,
escreveu Julio César Guanche, professor da Universidade de Havana, posto
em que dificilmente seria admitido um “contrarrevolucionário”.
“Não
há nada mais revolucionário do que procurar maneiras de resolver
conflitos. Não há nada mais revolucionário do que voltar-se para a
política quando apenas a guerra civil parece possível”.
São palavras que ganham peso por virem de um simpatizante do regime. Não é o único.
“Precisamos
fazer uma análise crítica de nossos problemas para agir e superá-los, e
evitar sua repetição”, disse Díaz-Canel na quarta-feira passada,
indicando algum tipo de abertura.
Pode ser tarde demais?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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