A esquerda brasileira continua passando pano em relação à ditadura cubana: Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
A
semana que passou concedeu dois exemplos de como os políticos escolhem
onde prender seus rabos. Rabo preso, todos sabem, significa
comprometer-se com pessoas ou interesses para obter alguma vantagem em
troca, em detrimento do bem coletivo ou daquilo que se prega
publicamente ou em outras circunstâncias.
Os
exemplos vêm de campos opostos da polarização política no Brasil: a
esquerda petista e a direita bolsonarista. A primeira, ao passar pano
para a ditadura cubana. A segunda, ao trair a própria base eleitoral no
episódio da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que
quase triplicou o valor do dinheiro público que será distribuído a
candidatos nas eleições de 2022.
São
duas situações com suas particularidades, claro, mas que se unem por um
traço típico de um modo de fazer política: quando chega a cobrança por
compromissos escusos, passados ou futuros, certos princípios que ficam
bem no discurso público são abandonados. O que entra no lugar são
desculpas esfarrapadas e malabarismos argumentativos.
Explico,
começando pelo caso dos protestos em Cuba. Parte da esquerda
brasileira, incluindo nomes como o ex-presidente Lula (PT) e o
ex-candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), tratou de
passar pano para a repressão aos manifestantes que pedem liberdade em
Cuba, atribuindo a insatisfação dos cubanos, mentirosamente, ao
"embargo" americano à ilha e dizendo que o regime foi um modelo a ser
seguido no combate à pandemia (mais uma falácia).
As
juras de amor à ditadura comunista em Cuba em si não são nenhuma
novidade. Esse é um compromisso ideológico histórico de uma parte da
esquerda brasileira — compromisso esse compartilhado por sua base mais
militante.
Nesse
caso, o rabo dos políticos está preso em dois lugares: nas crenças
delirantes de sua base radical, que pensam que Cuba é o paraíso na
terra, e nas alianças forjadas ao longo de anos por partidos como o PT
com governos e grupos políticos internacionais de esquerda (por meio de
ajudas mútuas inconfessáveis e muitas vezes criminosas).
O
rabo preso com Cuba, porém, expõe a hipocrisia de muitos dos
integrantes da oposição brasileira que criticam os traços autoritários
do governo Jair Bolsonaro. A incoerência de discurso beira o ridículo.
Os princípios democráticos devem valer sempre, em qualquer lugar.
Ditaduras não são fofas nem aqui, nem no país dos outros.
O
episódio da aprovação de um aumento de 2 bilhões para 5,7 bilhões de
reais no valor do fundo eleitoral no ano que vem também se destaca pela
hipocrisia. Muitos dos parlamentares que votaram a favor da LDO passaram
os últimos anos criticando o financiamento público de campanhas
eleitorais, chegando até a prometer acabar com ele. Isso inclui
deputados federais bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Carla
Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), entre muitos outros.
De
nada adiantou depois tentar argumentar que não havia outra opção,
dizendo que a LDO precisava ser aprovada antes do recesso parlamentar. A
decisão de quase triplicar o valor do fundão foi planejada e acordada
entre várias lideranças partidárias no Congresso Nacional. Não se podia
fingir surpresa.
O
Partido Novo tentou votar um destaque para retirar o aumento do fundão
da LDO, mas a votação foi apenas simbólica — e muitos dos parlamentares
que depois disseram ter votado a favor desse destaque, apesar de terem
também aprovado a LDO, na prática nada fizeram para evitar seu valor
meramente simbólico.
Os
políticos que aprovaram o aumento do fundão enquanto diziam defender
exatamente o contrário demonstraram ter o rabo preso em dois lugares:
primeiro, no interesse de seus próprios partidos de botar a mão em
quantias mais vultosas de dinheiro público para irrigar suas campanhas
em 2022 e, segundo, na aliança do governo Bolsonaro com o centrão e com
práticas da velha política.
Em
ambos os casos, a sobrevivência política atual e a continuação do
projeto bolsonarista em 2022 justificam a traição a uma das demandas da
própria base de apoiadores desses políticos. É como se dissessem que,
para evitar a volta do PT, vale tudo, até fazer aquilo que sempre
prometeram não fazer.
Mas
qual o limite do que se pode abandonar em termos de princípios para
alcançar esse objetivo? Em que ponto a justificação dos meios pelos fins
começa a deformar o próprio fim que se quer alcançar?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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