Não existe mais informação objetiva: hoje tudo, rigorosamente tudo, é editorializado e formatado de maneira a se encaixar em uma agenda. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
No
início achei que só estava acontecendo comigo, mas com o tempo percebi
que vários amigos e conhecidos estão fazendo a mesma coisa: deixar de
acompanhar o noticiário pela TV. E tenho a impressão de que cresce entre
pessoas comuns, sobretudo na classe média e nas camadas populares, uma
tendência a se alienar voluntariamente do turbilhão de informações e
opiniões que nos assaltam o tempo inteiro. Ainda que mais não seja, por
mera preocupação com a saúde mental e emocional.
Há
várias explicações para esse fenômeno. Muita gente está parando de
acompanhar o noticiário simplesmente por achar que não serve para nada
ficar se atualizando diariamente sobre assuntos que só podem estragar o
seu humor. Isso se aplica, naturalmente, à cobertura da pandemia de
Covid 19: as pessoas estão esgotadas e, ao mesmo tempo, anestesiadas:
elas não conseguem mais estabelecer uma conexão emocional com o assunto.
É natural que prefiram gastar seu tempo e energia com atividades mais
prazerosas que a de espectadores e consumidores passivos de tragédias.
Também
é preciso levar em conta que hoje é muito mais fácil se informar sobre
qualquer acontecimento relevante pela Internet, que em geral apresenta
os dados que interessam de forma mais objetiva e clara que a televisão.
Se um avião cai, por exemplo, não é mais preciso aguardar a próxima
edição do noticiário na TV para saber os detalhes do desastre. E eu
posso decidir se só quero me informar superficialmente ou saber todos os
detalhes, se vou dedicar 10 segundos ou cinco minutos ao tema – o que
não posso fazer sentado na frente da TV.
Mas não é só isso.
Desconfio
que uma explicação relevante para esse fenômeno de alienação voluntária
está na crescente confusão entre jornalismo e ativismo praticada nos
principais veículos de comunicação. Não existe mais informação objetiva:
hoje tudo, rigorosamente tudo, é editorializado e formatado de maneira a
se encaixar em uma agenda. Até a previsão do tempo.
Antigamente
se ensinava nos cursos de Jornalismo que, ainda que a neutralidade
absoluta seja impossível, é necessário tê-la como horizonte a perseguir,
na prática da profissão. Ora, a não ser quando explicitamente informado
de que se trata de uma análise de opinião, o leitor ou espectador tem o
direito de esperar receber informações objetivas, que lhe permitam
formar seu próprio julgamento sobre as coisas.
Não
é isso que vem acontecendo. Parece que atualmente se ensina que não
existe realidade objetiva, que qualquer notícia é passível de ser
moldada de forma a atender a alguma agenda, para beneficiar uns e
prejudicar outros. É o jornalismo a serviço do Brasil do "nós contra
eles",
Hoje
os apresentadores dos telejornais não se satisfazem em informar o
espectador: eles se colocam na posição de determinar o que o espectador
deve sentir e como ele deve reagir a cada notícia ou reportagem. É o
jornalismo de cabresto, que quer mandar na cabeça de quem assiste. Por
exemplo, em um tom de permanente bom-mocismo e superioridade moral,
sempre dão um jeito de insinuar nas entrelinhas (quando não afirmam nas
linhas) que tudo de ruim que acontece no país é responsabilidade do
Governo federal.
É
visível a felicidade com que narram qualquer notícia ruim que possa
prejudicar o presidente, a ponto de uma apresentadora ter cometido,
pouco tempo atrás, o ato falho de declarar que “infelizmente”, tinha que
dar notícias boas. Mas, mesmo quando a notícia é boa, ela vem embalada
com o objetivo de solapar, sabotar e, se possível, abreviar o governo.
No
jornalismo impresso, o exemplo caricato foi a manchete recente da
“Folha de S.Paulo”: “Economia dá sinais de despiora”. Porque é
inaceitável reconhecer que qualquer coisa está melhorando sob o governo
de um genocida, não é mesmo? Nada melhora, tudo só “despiora”. (Já em
governos recentes, nada piorava, as coisas só “desmelhoravam”...).
Somente
nesse contexto de má-vontade doentia, de torcida explícita para que
tudo piore, de celebração do “quanto pior melhor”, é possível assistir à
comemoração mal disfarçada a cada novo recorde de mortes de Covid.
Associa-se com um prazer quase sexual cada morte ao presidente genocida,
como se na Argentina, na Venezuela, ou em Cuba todos já estivessem
vacinados e não morresse mais ninguém.
É
evidente que o governo – qualquer governo – deve ser cobrado e
permanentemente vigiado pela imprensa. Mas quando se substituem o rigor
na apuração, o bom senso no julgamento e a responsabilidade no
tratamento dos fatos pelo massacre deliberado e pela sabotagem
explícita, o espectador comum – aquele que não está ideologicamente
comprometido com nenhum lado e só queria mesmo se informar – percebe. E
muda de canal. Ou desliga a TV e vai para o computador. Ninguém é
obrigado.
Jornalismo
se tornou sinônimo de militância, e o leitor-espectador não é burro.
Ele percebe que o ativismo jornalístico está “espanando a rosca” já há
algum tempo. “Espanar” é aquilo que ocorre com a rosca (de um parafuso
ou uma porca) quando, ao apertá-la em excesso, se ultrapassa sua
capacidade de resistência. A rosca, estragada, não serve mais para nada.
É
o que está acontecendo com o jornalismo. A boa vontade e a paciência
das pessoas vêm sendo diariamente desafiadas por um tipo de cobertura
que serve cada vez menos aos interesses do cidadão comum. A consequência
óbvia desse processo é a perda de credibilidade dos veículos de
comunicação, diagnosticada em sucessivas pesquisas sobre o tema. A etapa
seguinte à perda de credibilidade é a perda de relevância. Será
possível que não estejam percebendo isso?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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