Artigo do professor Bolívar Lamounier, publicado no Estadão, vai ao
ponto: enquanto Dilma, Lula et caterva continuarem no poder, "no fundo
do poço haverá outro poço. Sob os escombros, mais escombros". O
cientista político toca num ponto que me é caro em relação ao
lulopetismo, herdeiro, de fato, da tradição autoritária brasileira que
vai do fascismo, na primeira metade do século XX, ao marxismo na segunda
metade:
Não nos iludamos: com Dilma, Lula et caterva, no fundo do poço haverá
outro poço. Sob os escombros, mais escombros. Ainda temos muito chão
pela frente.
A verdade, sejamos claros, é que a enganação ideológica iniciada há
36 anos prossegue. Ainda hoje mal compreendida, continua a produzir seus
efeitos nefastos e parece conservar algum poder de fogo para as
eleições de 2016 e 2018.
Uma breve recapitulação pode ser útil. Trinta e seis anos atrás, uma
mescla desconjuntada de estudantes e professores universitários,
trotskistas e ex-guerrilheiros, clérigos, sindicalistas que se
apresentavam como reformistas e modernizadores – e outros de que já não
me lembro –, resolveu passar o País a limpo. Onde houvesse clientelismo e
corrupção, passaria a haver ética. A injustiça social estava com os
dias contados. O ar de um país em decomposição não tardaria a se tornar
respirável.
Aqui surge uma indagação inevitável. Como foi que tantos milhões se
deixaram levar pela cantilena da “ética política”? Do “povo em luta
contra as elites”? De um país descoberto há cinco séculos, mas que só
passou de fato a existir com a chegada do PT o do grande condutor de
massas?
Muitas respostas têm sido aventadas, mas algumas delas devem e
precisam ser descartadas sem a menor cerimônia. Por favor, não me digam
que a culpa é dos milhões de baixa renda e baixa escolaridade que
supostamente “não sabem votar”. É verdade que, entre eles, um Lula
politicamente moribundo ainda respira. Situações parecidas têm ocorrido
em outros países. No Brasil, com as avançadas tecnologias do marketing
eleitoral, muito dinheiro e programas sociais paternalistas, Lula, Duda
Mendonça e João Santana organizaram um culto sistemático à mentira,
jogando uma parte da sociedade contra a outra, numa guerra de verdade,
cínica e devastadora.
O misto de indigência ideológica, populismo e trapaça que hoje
denominamos lulopetismo surgiu na virada dos anos 1970 para os 1980. Que
passasse despercebido nos três ou quatro primeiros anos, até que se
poderia compreender: vivíamos a era do dualismo militares x civis, estes
abrigados na chamada “frente de oposições”, o MDB.
Mas de 1982, quando Lula, candidato a governador, atirava mais em
Montoro, um dos grandes líderes da resistência civil, do que nos
remanescentes do regime militar, até 1994, quando pôs seus interesses
eleitorais à frente da estabilização da economia e bateu de frente
contra o Plano Real, ele passou a personificar a identidade definitiva
do partido, notoriamente avesso a compartilhar responsabilidades.
Salta, pois, aos olhos que a tendência a passar a mão na cabeça do
PT, acarinhando-o com elogios melífluos ou sinceros – tanto faz –,
evidenciava total desnorteio de ampla parcela das camadas médias e do
próprio empresariado.
A obrigação de destrinchar a “ideologia” lulopetista e apontar os
riscos que ela representava para o desenvolvimento brasileiro,
obviamente, não era das camadas educacionalmente menos privilegiadas.
Quem quiser entender esta afirmação como “elitista”, fique à vontade:
noblesse oblige. É evidente que tal responsabilidade cabia, e cabe cada
vez mais, às camadas mais escolarizadas, aos universitários, aos
profissionais liberais, ao alto clero e assemelháveis. É delas a
obrigação de tentar esclarecer certas dúvidas comezinhas que os petistas
nunca se dignaram a tratar com seriedade.
O PT é um partido socialista? Que tipo de socialismo? Como pretende
implantá-lo no Brasil? Tem uma linha de pensamento econômico diferente
do implementado pela sra. Dilma Rousseff e pelo dr. Guido Mantega, com
os resultados que estão aí à vista de todos? Tem uma política
educacional digna de tal designação, diferente, por exemplo, das
sandices que vem propondo como novo currículo de História?
Frisar a importância desta última pergunta parece-me desnecessário.
Qualquer cidadão que tenha dedicado ao menos 15 minutos à questão sabe
que o sistema educacional brasileiro precisa ser arejado, modernizado,
revolucionado de alto a baixo; não precisa das sucessivas pilhérias que
nos foi dado apreciar nos oito anos de Lula e cinco de Dilma Rousseff.
Como disse antes, a continuidade da situação atual só servirá para
aumentar a montanha de escombros em que o Brasil se está transformando.
Mas nem tudo é tragédia. Hoje, boa parcela da equipe mobilizada pelo PT
para construir um País mais ético está em Curitiba ou na Papuda. Este
ponto é de suma importância. O combate enérgico que finalmente estamos
dando à corrupção é quase um milagre.
Até pouco tempo atrás, no Brasil e talvez em toda a América Latina, a
cultura política das camadas de alta escolaridade ostentava um forte
traço de “amoralismo”: uma espécie de vergonha de tentar intervir na
esfera pública por motivos “meramente morais”. Toda avaliação da
política fundada em critérios morais soava meio ridícula, coisa de gente
incapaz de compreender as grandes estruturas materiais da sociedade.
Coisa de otário.
Isso em parte se devia ao transplante do absolutismo e do catolicismo
ibéricos na era colonial, mas, sobretudo, à maciça entrada do fascismo
na primeira parte do século passado e do marxismo na segunda. Nesse
composto ideológico de índole autoritária, juízos morais são meras
manifestações do “moralismo pequeno-burguês”, esquecidas de que os fins
justificam os meios. Ninguém ignora que o lulopetismo se formou
ingerindo fortes doses dessa maçaroca, e ainda conserva muito dela,
quando já poderia respirar ares menos poluídos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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