Que tal passar por cima dos candidatos e votar diretamente nos marqueteiros?
por Mino Carta
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publicado CARTA CAPITAL
Dúvidas costumam me assaltar, sou dado a muitas. Neste exato instante, sobrevém a seguinte: sir Winston Churchill tinha um marqueteiro? Meus botões gargalham. Peço explicações, receio me tenham como humorista. Aplacado o ictus de desmesurada diversão, pacatamente explicam ter-se permitido imaginar Duda Mendonça que se chega ao pé do ouvido de sir Winston e lhe sugere prometer sangue, suor e lágrimas ao povo em guerra. Quem riu agora fui eu.
Poderia formular a mesma pergunta sobre o emprego de marqueteiros em relação a alguns outros homens de Estado que ornaram o mundo em tempos relativamente recentes. Roosevelt, De Gaulle, Adenauer, De Gasperi. Todos habilitados a dispensar os préstimos de quem se arvora a conhecer a alma humana melhor de quem o contrata. E tanto mais, pago o serviço tido como indispensável a preços transbordantes.
Conselheiros qualificados e das mais diversas extrações, e até bons amigos afastados do cotidiano da política, serão sempre bem-vindos pelo político arguto, assim como publicitários atilados têm condições de organizar campanhas de anúncios eficazes. A minha dúvida diz respeito ao marqueteiro, cujas funções, se bem entendi, se espalham bem além das tarefas acima, a abarcar conhecimento em todas as latitudes e longitudes, como de resto demonstram os emolumentos que lhe são granjeados. Às vezes, parece-me que o marqueteiro nasce do singular enlace entre Albert Einstein e Norberto Bobbio.
De onde vem a figura, digo, como númeno? Como modelo ideal, pronto e acabado? Dos Estados Unidos, obviamente. Quando adolescente cheguei ao Brasil, a nossa meca cultural situava-se em Paris. Nada má, a escolha. Tratava-se, no fundo, da herança de um século e meio, deixada por dom João VI e sua missão francesa, turma de reacionários que fugiam de Napoleão, mas que sabiam de arte e coisas mais. A imitação do exemplo francês, por mais provinciana que fosse, não deixou de ser infinitamente mais louvável do que a tentativa seguinte, de imitar os Estados Unidos. Sem contar, ponto a favor no meio disso tudo, Machado de Assis, um gênio capaz de assimilar a melhor forma da literatura inglesa.
O marqueteiro à brasileira é um dos resultados desta operação desastrada que em certas áreas metropolitanas do País não passa de cópia fracassada de aspectos de uma cultura diferente e até oposta à nossa. A presença do marqueteiro não é edificante, pelo contrário, representa uma espécie de atestado de mediocridade, nem mais nem menos que em São Paulo a arquitetura da Avenida Berrini: em lugar de repetir Nova York, consegue dar vida a Gotham City, extraída da história em quadrinhos.
No mundo de hoje parece-me enxergar dois conspícuos marqueteiros de si próprios. Trata-se de personagens de peso e vulto, por razões diversas e de certa maneira contrastantes. Primeiro, refiro-me a Putin, cercado, em vez de marqueteiros, de mafiosos ex-agentes e companheiros da KGB. Feroz no exercício do poder, a Putin não se negue tino político e senso de oportunidade à mesa internacional. O outro é o papa Francisco, personagem inesperada, empenhado, até agora com êxito, na tarefa de redimir seu império, posto à prova depois de quanto tornaram sua secularização clamorosa e perversa além da conta, com a única, nítida exceção, embora efêmera, de João XXIII. Sem detrimento da intervenção de conselheiros preciosos, Putin e Francisco lidam diretamente com os problemas da sua exposição coram populo.
E a respeito de Putin, outra dúvida me assoberba: por que Estados Unidos e União Europeia cuidam sofregamente de aplicar sanções contra sua Rússia em nome do conflito ucraniano, e não fazem ao menos o mesmo em relação a Israel de Netanyahu e Lieberman, chanceler de catadura francamente nazista? O massacre, como definiu com extrema precisão a presidenta Dilma, em pleno desenvolvimento na Faixa de Gaza, é tragédia de proporções muito maiores do que a guerra intestina que dilacera a Ucrânia, questão, antes de mais nada, entre ucranianos. A de Gaza é outra história, entre quem foi expulso à força e quem à força lhe tomou o lugar.
Poderia formular a mesma pergunta sobre o emprego de marqueteiros em relação a alguns outros homens de Estado que ornaram o mundo em tempos relativamente recentes. Roosevelt, De Gaulle, Adenauer, De Gasperi. Todos habilitados a dispensar os préstimos de quem se arvora a conhecer a alma humana melhor de quem o contrata. E tanto mais, pago o serviço tido como indispensável a preços transbordantes.
Conselheiros qualificados e das mais diversas extrações, e até bons amigos afastados do cotidiano da política, serão sempre bem-vindos pelo político arguto, assim como publicitários atilados têm condições de organizar campanhas de anúncios eficazes. A minha dúvida diz respeito ao marqueteiro, cujas funções, se bem entendi, se espalham bem além das tarefas acima, a abarcar conhecimento em todas as latitudes e longitudes, como de resto demonstram os emolumentos que lhe são granjeados. Às vezes, parece-me que o marqueteiro nasce do singular enlace entre Albert Einstein e Norberto Bobbio.
De onde vem a figura, digo, como númeno? Como modelo ideal, pronto e acabado? Dos Estados Unidos, obviamente. Quando adolescente cheguei ao Brasil, a nossa meca cultural situava-se em Paris. Nada má, a escolha. Tratava-se, no fundo, da herança de um século e meio, deixada por dom João VI e sua missão francesa, turma de reacionários que fugiam de Napoleão, mas que sabiam de arte e coisas mais. A imitação do exemplo francês, por mais provinciana que fosse, não deixou de ser infinitamente mais louvável do que a tentativa seguinte, de imitar os Estados Unidos. Sem contar, ponto a favor no meio disso tudo, Machado de Assis, um gênio capaz de assimilar a melhor forma da literatura inglesa.
O marqueteiro à brasileira é um dos resultados desta operação desastrada que em certas áreas metropolitanas do País não passa de cópia fracassada de aspectos de uma cultura diferente e até oposta à nossa. A presença do marqueteiro não é edificante, pelo contrário, representa uma espécie de atestado de mediocridade, nem mais nem menos que em São Paulo a arquitetura da Avenida Berrini: em lugar de repetir Nova York, consegue dar vida a Gotham City, extraída da história em quadrinhos.
No mundo de hoje parece-me enxergar dois conspícuos marqueteiros de si próprios. Trata-se de personagens de peso e vulto, por razões diversas e de certa maneira contrastantes. Primeiro, refiro-me a Putin, cercado, em vez de marqueteiros, de mafiosos ex-agentes e companheiros da KGB. Feroz no exercício do poder, a Putin não se negue tino político e senso de oportunidade à mesa internacional. O outro é o papa Francisco, personagem inesperada, empenhado, até agora com êxito, na tarefa de redimir seu império, posto à prova depois de quanto tornaram sua secularização clamorosa e perversa além da conta, com a única, nítida exceção, embora efêmera, de João XXIII. Sem detrimento da intervenção de conselheiros preciosos, Putin e Francisco lidam diretamente com os problemas da sua exposição coram populo.
E a respeito de Putin, outra dúvida me assoberba: por que Estados Unidos e União Europeia cuidam sofregamente de aplicar sanções contra sua Rússia em nome do conflito ucraniano, e não fazem ao menos o mesmo em relação a Israel de Netanyahu e Lieberman, chanceler de catadura francamente nazista? O massacre, como definiu com extrema precisão a presidenta Dilma, em pleno desenvolvimento na Faixa de Gaza, é tragédia de proporções muito maiores do que a guerra intestina que dilacera a Ucrânia, questão, antes de mais nada, entre ucranianos. A de Gaza é outra história, entre quem foi expulso à força e quem à força lhe tomou o lugar.
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