Joana Oliveira A TARDE
Você viaja o Brasil falando para muitos jovens. Quais as ideias fundamentais que tenta passar sobre vida profissional?
Eu fiz faculdade em uma época em que não tínhamos para quem perguntar as coisas, então eu tento responder às perguntas que eu gostaria de ter feito quando era jovem, estava confuso e sem saber para onde ir. E falo também da minha experiência, mas nunca digo "faça o que eu faço". Digo "fiz de tal jeito e deu errado". O sucesso não se faz só de acertos. Nem tudo dá certo.
Você começou a carreira como office-boy e chegou a ser um dos executivos mais renomados do País. Que dificuldades são enfrentadas hoje pelos profissionais que desejam traçar uma trajetória semelhante?
A juventude da minha geração era menos suscetível a críticas e broncas. Admitíamos ouvir certos tipos de coisa, porque nossos pais e avós diziam que eram normais. Não podíamos falar nada ou responder a ninguém. Nós educamos nossos filhos para ter mais liberdade do que tivemos, e as gerações posteriores aproveitaram isso. O jovem contemporâneo sabe reclamar do que considera errado, sem pensar muito em quem ele irá contrariar ou quais serão as possíveis consequências. E isso é perceptível no mercado de trabalho. Existe mais pressa. Um estagiário entra em uma empresa e, um mês depois, já se preocupa em qual será o passo seguinte. Há também uma cobrança: depois de passar 15 anos ou mais estudando, tanto a família quanto a própria pessoa esperam resultados rápidos. Mas o que o mercado demandava quando comecei minha carreira é o mesmo que demanda hoje. E quem apresenta algum diferencial em meio a um grupo ganha destaque.
Esse perfil de jovem profissional ansioso e com pressa de resultados mudou também o perfil das empresas?
Sem dúvida. Exemplo disso são os programas de recrutamento, motivação e retenção de talentos, oferecendo continuidade de estudo, oportunidade de rotatividade interna. Houve também uma mudança na linguagem para se dirigir a esses jovens, uma nova postura de lideranças, com chefes mais tolerantes.
Hoje, grande parte da população brasileira tem como objetivo constituir um negócio próprio. Isso é um reflexo direto do cenário atual do mercado de trabalho?
Ser microempresário, tornar-se chefe de si mesmo, é o emprego do século XXI. Só que, em algum momento, se descobre que chefiar não é tão bom como parece: é preciso lidar com subordinados, metas, objetivos, dor de cabeça, tem que dar satisfação, entre outras coisas. Ainda assim, é um cargo desejado porque as pessoas estão estudando cada vez mais e quando conseguem um emprego, é para ganhar uma merreca. O primeiro salário é absolutamente desproporcional a tudo que foi investido na carreira. Antigamente, ganhar pouco depois de estudar quatro anos fazia sentido, já que se sabia apenas ler e escrever. Hoje, com 22 anos o jovem já concluiu faculdade, já faz pós-graduação, viajou para o exterior e a vaga que ele consegue continua sendo a de um salário mínimo e meio. Então o investimento em formação começa a parecer um desperdício e o negócio próprio surge como uma boa alternativa. E, de fato, é.
E como deve ser feita a transição entre deixar de ser empregado e se tornar patrão?
O profissional contemporâneo não está preocupado com isso. No século XX, se pensava da seguinte maneira: "Tenho um emprego, não está dando certo, então vou abrir um negócio". Hoje é o contrário: o jovem pensa "vou abrir um negócio. Se não der certo, procurarei um emprego ou vou fazer um concurso público". Ser empresário significa gostar de arriscar. Empenhar carro, casa, roupa, se for preciso, acreditando que o investimento dará certo... Mas há quem não consiga conviver com essa ideia, porque precisa de um salário fixo ao fim do mês, de um orçamento, saber o que pode comprar em dez vezes... Essa pessoa dificilmente seria um empresário. Ela pode se associar ao empresário e cuidar da parte administrativa e financeira. O "ser chefe" segue o mesmo caminho: a pessoa precisa se analisar. Tem gente que gosta de mandar nos outros, de motivar pessoas, e sabe fazer isso bem. E tem quem prefira não fazer, por achar que é um grande trabalho extra para qual a remuneração não compensa. De cada 10 pessoas que entram no mercado de trabalho, sete nunca serão promovidas ao cargo de chefe. É um cargo raro e, para chegar a ele, o profissional deve fazer uma autoanálise e descobrir o que é e o que gosta e sabe fazer. Quem percebe isso define muito facilmente se quer ser empresário, empregado ou funcionário público.
Há também os profissionais como você, que largou importantes cargos executivos para se dedicar aos livros e palestras. Que fatores devem pesar na decisão de quem cogita deixar uma carreira consolidada para realizar outras atividades?
Não conheço muita gente que fez o que fiz. Quando decidi deixar as empresas, estava em uma situação bastante confortável para continuar nos cargos que ocupava. Mas há muito tempo, quando ainda tinha 30 anos, comecei a pensar o que queria fazer no resto da minha vida. Para fazer as coisas que realmente gosto, vi que precisava acumular recursos, e, para isso, trabalhar muito. E enquanto eu estava nas empresas, fui tentando aperfeiçoar competências importantes para essa outra atividade, como escrever e falar. Quando lancei o primeiro livro, já tinha acumulado uma experiência e não foi uma transição difícil.
Alguns especialistas falam hoje de um "apagão de talentos" no País. Considera esse cenário real?
Sim, mas o déficit de mão de obra não está sendo interpretado corretamente quando se fala em "talento". Quando se diz que há vagas mas falta mão de obra, quem reclama são as pessoas que têm quatro pós-graduações, três MBAs e não conseguem uma vaga. Mas esse é o tipo de profissional que está sobrando no mercado. Estão faltando técnicos: mecânicos, encanadores, eletricistas, marceneiros. Por isso estamos importando trabalhadores. No Brasil não se faz mais curso técnico de química, mas engenharia química. Ficou muito fácil pular do ensino médio para a faculdade e de lá para a pós-graduação. Falta agora a gente que trabalha em pé e que quase não vemos mais.
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