Medidas votadas pela Câmara de Cuiabá são demagogas, avalia sociólogo.
Por outro lado, “susto” à classe política valeu a pena, diz articulista.
Manifestação em Cuiabá chegou a reunir 45 mil pessoas (Foto: Renê Dióz/G1)
Os avanços pontuais na gestão do transporte público obtidos pelos protestos das duas últimas semanas em Cuiabá devem ser comemorados com parcimônia. Ouvidos pelo G1,
os mesmos especialistas que apontaram a relevância histórica das
manifestações – com mais de 45 mil pessoas nas ruas da capital –
consideram, numa primeira análise, que os frutos imediatos da pressão
popular ainda devem ser vistos como avanços concretos relativos, tendo
servido por enquanto mais para dar um “recado” à classe política local
sobre uma profunda crise de representação.Tais avanços consistem na aprovação pela Câmara Municipal de Cuiabá de projetos de lei determinando o retorno da figura do cobrador nos ônibus da capital, a possibilidade de pagamento em dinheiro das passagens, transação que era feita somente pelo cartão do usuário, maior tempo de integração e ampliação do passe-livre estudantil para outras categorias de estudantes, como os que se dedicam a cursos de pós-graduação.
Estas medidas precisam ainda ser sancionadas pelo prefeito Mauro Mendes, a quem restou o “ônus” da resposta rápida dos vereadores à pressão popular, na visão do professor de Sociologia Pedro Félix e do comentarista político Alfredo da Mota Menezes.
Ônus
Manifestação 'é a ponta do iceberg que está sendo resolvida', diz sociólogo (Foto: Renê Dióz/G1)
“É a ponta do iceberg que está sendo resolvida. Esses políticos que estão aí nunca tiveram capacidade de virar nossos líderes. Começaram a tirar do baú projetos populares e não pensaram em sua dimensão econômica aos cofres públicos. Demagogicamente, acham que estão resolvendo. A resposta imediata tem sido zarolha, irresponsável. Não se está pensando no amanhã”, critica Pedro Félix sobre as medidas aprovadas pela Câmara com potencial – ao contrário do que alegaram os vereados após a votação - para onerar ainda mais as contas municipais.
Isso porque o prefeito Mauro Mendes (PSB) já havia, em meio aos protestos, anunciado redução na tarifa de transporte público graças a medida provisória que zerou em todo o país as alíquotas de Pis/Cofins na composição do valor. Caso as próximas respostas do Poder Legislativo sigam a mesma “toada” sem muito critério, Félix teme as consequências de inúmeros subsídios bancados pelos gestores do Poder Executivo sob risco de redução de investimentos em várias áreas essenciais. Daí a comemoração moderada do professor sobre os efeitos dos protestos em Cuiabá.
“O Legislativo tirou o problema dele e jogou para o Executivo, mas alguém vai ter de pagar essa conta”, concorda o articulista Alfredo da Mota Menezes, reprovando as votações em tempo recorde pelos vereadores de Cuiabá, na ânsia de se posicionar perante a massa de manifestantes.
Menezes observa ainda uma peculiaridade: no contexto nacional, a cobrança dos manifestantes nas ruas recaiu em maior proporção sobre as costas da presidente Dilma Rousseff (PT), que agora tende a “tirar o bode da sala dela e colocar no Congresso” para atender aos pleitos dos protestos. Em Cuiabá, o movimento foi inverso, com o Legislativo repassando o ônus da resposta ao Executivo.
Segundo Menezes, o comportamento dos poderes se mostra essencialmente igual no contexto regional: sem conseguir desenhar em tempo uma resposta robusta e devidamente ponderada aos anseios de uma “erupção social inesperada”, um joga a responsabilidade para o outro.
Recado
Pelo menos, nesse turbilhão todo alguém se incomodou nos altos escalões do poder, diz Menezes. “Os políticos estão assustados. O povo nas ruas assustou a classe política e isso é bom. Perceberam que estão em um mundo e a sociedade em outro”.
“As passeatas podem acabar, mas o sentimento de rua está com todos os brasileiros e os políticos estão se borrando, estão atrapalhadamente resgatando projetos para dizer que estão nos atendendo. Falam que as manifestações chegam a ser fascistas porque não aceitam partidos. Mas não é que o povo não queira partido, é que esses partidos não representam mais ninguém. Esse povo está mandando um recado. Como eu vi outro dia numa manifestação: ‘os problemas são tantos que nem cabem no cartaz’”, complementa Félix.
Manifestantes protestaram em frente ao prédio da Câmara de Vereadores em Cuiabá (Foto: Dhiego Maia/G1)
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