Governo de SP divulgou acervo digitalizado de órgãos ligados à repressão.
Sarney, Collor, Tom Zé e até Ayrton Senna são citados.
Reprodução da ficha do piloto Ayrton Senna no órgão (Foto: Reprodução)
Presidentes da República, artistas, atletas e religiosos continuaram
sob monitoramento no Brasil mesmo após o fim oficial da ditadura militar
(1964-1985). É o que revela consulta ao acervo digitalizado do
Departamento de Comunicação Social (DCS), criado em 1983 e mantido até
1999, após a extinção do Departamento Estadual de Ordem Política e
Social de São Paulo (Deops).José Sarney, presidente entre 1985-1990, é citado como ex-presidente e tem sua movimentação acompanhada em recortes de jornais recolhidos entre 1987 e 1993. Eles tratam de reações de Sarney sobre o início do seu governo e a morte de Tancredo Neves.
O cantor e compositor Tom Zé é citado em ficha de 1985. Nela, o DCS cita reportagem do "Jornal da Tarde" que afirma que o cantor iria dar apoio e estaria presente em evento do PC do B. Na ocasião, o partido organizava um ato "pela legalidade" em São Paulo.
Tom Jobim é citado em ficha datada de 1992. Nela é citada reportagem do "Jornal do Brasil" que mostra que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Sérgio Zveiter questionava o compositor pela declaração de que "todo advogado é ladrão". Em anotação posterior, o DCS registrou que Tom Jobim tinha afirmado que tudo não passava de um mal-entendido.
Página com documentos do Deops entrou no ar
nesta segunda-feira (Foto: Reprodução/Arquivo
Público de SP)
Quem também é citado é o cartunista Laerte Coutinho, em registros do
ano de 1983 e 1984. À época, ele foi citado por ilustrar uma publicação
do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.nesta segunda-feira (Foto: Reprodução/Arquivo
Público de SP)
Atletas
O nome do piloto de F1 Ayrton Senna também aparece nos documentos. Na ficha, que acrescenta ao paulistano a qualificadora da "Bi-campeão de Fórmula 1", o órgão faz anotações sobre duas notícias de jornais sobre o atleta.
Ao citar "O Estado de S.Paulo" e "Folha de S. Paulo", o DCS anota que a família de Senna vivia clima de tensão após ter sido ameaçado de sequestro pelo "bando Comando Vermelho". À época, Senna tinha proteção da polícia Civil e Militar por causa das ameaças, segundo o órgão. Nas anotações, não há referências a manifestações políticas ou envolvimento partidário.
Sócrates
O ex-jogador Sócrates, que morreu em dezembro de 2011, é citado uma vez em janeiro de 1988. O DCS cita reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” que afirma que o ídolo corintiano era cotado para entrar para a política em Ribeirão Preto, no interior paulista. “O nominado está tão integrado à vida local que tem seu nome cogitado pelo PT para se candidatar à Prefeitura”, diz o documento.
O atleta participou da campanha pelas Diretas Já e, em 1984, foi um dos principais idealizadores da Democracia Corintiana, que reivindicava para os jogadores mais liberdade e mais influência nas decisões administrativas do clube.
Reprodução da ficha do rabino Henry Sobel
no órgão (Foto: Reprodução)
Rabino Sobelno órgão (Foto: Reprodução)
Em 1983, o rabino Henry Sobel aparece em sua primeira ficha no DCS. Até o ano de 1992, há quatro anotações sobre o líder religioso. Primeiro, o órgão da repressão decidiu anotar a participação dele em um acampamento no Largo de São Francisco contra a fome e o desemprego. A participação de Sobel, em 1984, em um debate sobre a tortura também foi registrado.
Jair Bolsonaro
O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), famoso por suas declarações polêmicas contra homossexuais, foi monitorado no início de sua carreira política, no fim da década de 1980, até 1993. Em novembro de 1988, o Departamento de Comunicação Social mostrava preocupação com a relação do então recém-eleito vereador na Câmara do Rio e os militares.
O órgão cita reportagem que afirma que o político, por ser capitão da reserva do Exército, é considerado “um representante da ‘família militar’ na Câmara” carioca. Cita ainda suposta declaração, feita em junho de 1993, em que ele defende “o fechamento do Congresso e a volta da Ditadura Militar”.
Fichas na ditadura: Hebe Camargo e Pelé
A atriz e apresentadora Hebe Camargo, que morreu em 2012 aos 83 anos, foi monitorada pelos órgãos de repressão em São Paulo desde o fim da década de 1940. O primeiro registro é por ela ter assinado um manifesto contra a "cassação de mandatos" em 1947.
Hebe é citada ainda por organizar uma festa de aniversário do dramaturgo Oduvaldo Viana, além de ter sido citada por ter participado de atos de apoio a greve de radialistas.
O nome da apresentadora também aparece citada em uma reunião para fundação de uma liga, cuja denominação apontada nos arquivos do Deops era LUCI - Legionárias Unidas Conclamam Idealistas. Para a repressão, a liga tinha interesse em combater "toda iniciativa anti-patriótica" de nossas autoridades.
Há ainda uma anotação feita a partir do depoimento de uma testemunha que afirma que Hebe era consumidora do "pó do sonho", um dos apelidos à época para a cocaína.
O jogador do Santos e astro da seleção, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, também aparece em ficha do Deops datada de 1973. O prontuário de Pelé menciona que o atleta recebeu pedido de indulto de presos políticos e comprou ações de uma rádio.
10% do total
O presidente da Comissão da Verdade Estadual, Adriano Diogo (PT) afirma que embora apenas 10% dos documentos do acervo de papel estejam digitalizados, há muita coisa para ver.
"O problema é que papel não fala. Tem que ter gente especializada para fazer a leitura crítica desses documentos"afirmou. Segundo o deputado, ainda não estão dispoíveis arquivos do Instituto Médico-Legal (IML) e referentes às valas clandestinas de Perus, por exemplo.
Histórico
O Deops foi criado em 1924 e funcionou até 1983. O órgão tinha como objetivo prevenir e reprimir delitos considerados de ordem política e social contra a segurança do Estado. Para isso, monitorava as atividades de pessoas e grupos considerados potencialmente perigosos à ordem vigente.
O Deops foi criado na década de 1920 em função de mobilizações políticas no Brasil, como greves trabalhistas, a formação do Partido Comunista do Brasil (PCB) e o movimento tenentista. O órgão, entretanto, ganhou maior visibilidade durante a ditadura militar.
Sala com os arquivos do extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops) (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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