BLOG ORLANDO TAMBOSI
No Brasil, essa defesa é quase sempre tática, momentânea. Via Crusoé, a crônica de Alexandre Soares Silva:
Ninguém
que não está no poder jamais diz “mas” logo depois de ter dito “defendo
a liberdade de expressão”. Simplesmente não acontece. Se você ouve um
“mas” depois de “eu defendo a liberdade de expressão”, a pessoa está no
poder, ou votou em quem está no poder.
É
como se ninguém fosse por princípio a favor da liberdade de expressão. A
defesa da liberdade de expressão é quase sempre uma defesa tática,
momentânea, que só fazemos quando somos nós que podemos ter a nossa
liberdade de expressão restringida. Assim que somos nós que temos a
capacidade estatal de restringir a expressão dos outros, e não o
contrário, é curioso, mas subitamente nos ocorre a necessidade de
restringir a liberdade de expressão em vários casos sutis e extremamente
necessitosos, que vamos listando com gosto durante todos os anos em que
estamos no poder.
Daí
saímos do poder e esse problema muda inteiramente de natureza, e
estamos convencidos de novo da beleza da liberdade de expressão quase
sem limites, pela qual sempre lutamos heroicamente.
O
ministro Alexandre de Moraes comparou as notícias falsas (jamais vou
falar “fake news”) com drogas: “Uma das mais perigosas drogas, porque
traz alterações na coletividade… (…) uma substância que entorpece a
mente das pessoas…” Disse que as notícias falsas são uma droga que cria
um “mundo paralelo” — o bizarro mundo paralelo de quem não pensa como
ele.
Bom,
e se eu achar que ele tomou alguma coisa que o faz viver no bizarro
mundo paralelo das pessoas que não pensam como eu? Porque é isso que eu
acho, no fundo. Como saber quem está certo?
Felizmente
o governo Lula vai resolver essa questão delicada. Pois quem melhor
para dizer se uma afirmação sobre o governo é verdadeira ou falsa do que
o próprio governo, ou pelo menos um comitê de amigos do governo, pagos
pelo governo?
Para
atingir esse objetivo, Lula não só criou a Procuradoria Nacional de
Defesa da Democracia para “representar o governo no combate à
desinformação sobre políticas públicas” como o seu ministro dos Direitos
Humanos e Cidadania ou Algo Assim (pra mim esse é o nome do
ministério), Sílvio Almeida, criou um grupo para “combater o discurso de
ódio e desestimular o extremismo no país”. Esse grupo, presidido por
Manuela d’Ávila (codinome “Avião” na lista de propinas da Odebrecht),
vai contar com a participação do que o site do governo chama de
“representantes da sociedade civil”. Citando o site gov.br: “São
profissionais e estudiosos de várias áreas que se dedicam a pensar na
formação para uma cultura de paz e preservação da dignidade humana”.
Entre
essas pessoas estào o influencer e trapaceiro de xadrez Felipe Neto e a
feminista Lola Aronovich (uma das mulheres mais equilibradas que
existem).
Admito
que, em termos de seriedade e de capacidade intelectual, não há do que
reclamar. São inegavelmente grandes inteligências, e quem negar isso não
está sendo honesto. Na verdade, não se vê uma constelação de intelectos
tão brilhantes no Brasil desde que Sérgio Mallandro, Pedro de Lara,
Mara Maravilha, Alexandre Frota e o grupo Absyntho se juntaram para
fazer o filme As Aventuras de Sérgio Mallandro, em 1985. E acho que
podemos concordar que, perto de Felipe Neto, Sérgio Mallandro parece
quase um imbecil.
Mas
justo eles vão avaliar se um texto é “discurso de ódio”? Vai ser
desagradável ver um texto meu sendo avaliado como sendo excessivamente
zangado, não perfeitamente calmo, meio nervoso, meio descabelado,
truculento, mal-educado e odiento, ou até mesmo odioso — e essa
avaliação ser feita por um bando de pessoas que todos conhecemos como
sendo, se não odiosas, zangadas, não perfeitamente calmas, meio
nervosas, meio descabeladas e muitas vezes, pelo menos na minha opinião,
um tantinho odientas.
É
mais ou menos como ser chamado de truculento pelo Maníaco do Parque. Ou
receber uma leve admoestação do Lula de que talvez eu esteja bebendo
demais. Abala um pouco as estruturas internas de uma pessoa sensível.
Quanto
a mim, sou um defensor tão fanático da liberdade de expressão que
defendo não só o meu direito de dizer o que eu penso, como também o seu
direito de dizer o que eu penso.
Fui
muito longe? Pois vou além: defendo não só o seu direito de dizer o que
eu penso como até a sua obrigação de dizer o que eu penso. Se
dependesse de mim, cada cidadão teria que ir para um cartório com uma
cópia de cada coluna minha e colocar uma assinatura autenticada, com
duas testemunhas, afirmando que concorda com tudo que eu digo.
Que o direito a essa obrigação seja negado aos brasileiros é uma injustiça que espero que o governo Lula corrija em breve.
Postado há 3 days ago por Orlando Tambosi
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