Com uma crise econômica de proporções monumentais, Argentina enfrenta uma guerra civil interna que tem tudo para ficar pior ainda. Vilma Gryzinski:
Muitos
argentinos inundaram sites e shopping centers para comprar
eletrodomésticos que não precisam (exceto como garantia contra a
inflação com bens duráveis que ninguém recomprará), resultando num
aumento de 35% das vendas. Pequenos comércios nem abriram, sem saber o
que cobrar pelas mercadorias. O dólar saltou de 239 pesos para 268 entre
sexta e segunda. O buraco onde o país está afundando aumentou, e muito.
E
os peronistas estão se engalfinhando em lutas internas, historicamente
um de seus esportes favoritos. A autofagia entre as alas de esquerda e
de direita contribuiu, tragicamente, para o golpe militar de 1976. Os 48
anos da morte de Juan Perón, que precedeu em pouco mais de um ano a
derrocada que já havia sido desenhada em todos os detalhes, serviram
para as celebrações de praxe na semana passada e nem uma única gota de
autocrítica: repetir os mesmos erros é uma das pragas argentinas.
A Frente de Todos, como se chama a aliança peronista, está mais para uma hobbesiana frente de todos contra todos desde que Cristina Kirchner avançou vários passos na intervenção no governo do homem que trata como se fosse, menos do que um empregado, um servo.
Até quem não simpatiza com Alberto Fernández
não pode deixar de se compadecer com o que ele virou: um presidente
nominal, emasculado, humilhado, obrigado a acatar ordens como a de
nomear a indicada por Cristina, Silvina Batakis, para a vaga aberta quando Martín Guzmán pediu demissão como ministro da Economia.
Jornais
argentinos noticiaram os detalhes que levaram Alberto a abaixar as
orelhas e ligar para a chefa, na busca de quem substituiria Guzmán,
sabendo muito bem que nem adiantava tentar emplacar alguém de sua
preferência.
Os
dois não se falavam há tempos, mas a barreira de mísseis políticos
desfechados por Cristina vinha mantendo o presidente-poste
permanentemente à beira de um ataque de nervos. Obviamente, o jantar de
ambos ontem à noite, em clima pouco animado, não mudou em nada a
dinâmica “eu mando e ele obedece”.
Não
são apenas ministros que Cristina derruba ou nomeia. A briga desce a
detalhes como integrantes dos “movimentos sociais” – na verdade, alas
peronistas que fatiam as benesses oficiais – cuja cabeça a vice exige. O
La Nación informou que Cristina comunicou a Alberto que quer decapitar
dois dirigentes do Movimento Evita e um do Somos Bairros de Pé,
confortavelmente instalados no Ministério do Desenvolvimento Social e na
secretaria de Relações Parlamentares da Chefia de Gabinete..
É
uma briga por influência e por dinheiro, literalmente, proveniente do
saco sem fundo de programas sociais que distribuem benefícios tornados
sem sentido pela acelerada derrocada econômica.
O
nome mais forte para comandar o Ministério da Economia, mesmo que fosse
a partir do posto de chefe de Gabinete, era o de Sergio Massa, atual
presidente da Câmara dos Deputados. Com muito mais densidade – e
esperteza – política, ele exigiu que houvesse um acordo de cúpula na
coalizão peronista sem o qual seguiria, inexoravelmente, o mesmo caminho
que Martín Guzmán, um discípulo de Joseph Stiglitz, o “economista
predileto” de Cristina por considerá-lo um profeta chique do calote.
A
linhagem elevada evidentemente não serviu de nada na hora do vamos ver.
Na prática, o cristinismo rompeu com Guzmán quando ele encabeçou um
acordo com o FMI, esperando uma estabilização que não veio,
investimentos estrangeiros que não se materializaram e proteção política
de um presidente que não tinha condições de dá-la.
Silvina
Batakis tem menos cacife ainda, embora seja considerada qualificada,
embora identificada com a ala “heterodoxa”, sinônimo de coisas feias. É
inevitável que acabe incinerada pela crise econômica e a guerra civil no
peronismo. Ambas só vão aumentar, mesmo que Alberto Fernández assine a
rendição incondicional depois de cada batalha. Nessa última crise, ele
resistiu exatamente 27 horas, o período que transcorreu entre a demissão
de Guzmán e o telefonema que acabou dando a Cristina, depois de
entregar os pontos.
A gata está só esquentando as garras com o rato.
Até onde irá a crise?
“A
atual crise econômica argentina se origina em Cristina Kirchner,
Alberto Fernández, La Campora, Axel Kiciloff e o kirchnerismo em geral”,
escreveu no Infobae o analista Roberto Cachanosky, enumerando os
principais atores políticos peronistas.
“Em
outras palavras, o problema não é a saída de Guzmán, o problema é o
kirchnerismo no poder. Enquanto eles estiverem no governo, não existe
possibilidade alguma de reverter esta crise e muito menos a longa
decadência que sofremos”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:
Postar um comentário