O descontentamento provocado pelas condições econômicas agravadas e pela guerra gera instabilidade social e crises como a italiana. A aposta de Putin é que disso resulte a erosão da unidade ocidental. Paulo Trigo Pereira para o Observador:
A
queda de Mario Draghi é claramente a última vitória da guerra de Putin
contra as democracias ocidentais que são, na realidade, o seu maior
inimigo. A guerra na Ucrânia é apenas um teatro secundário daquilo que
se joga à escala mundial que é um grande confronto entre regimes
democráticos e autocráticos. Nas últimas semanas assistimos ao
alinhamento do Irão, que muito afastado está dos valores democráticos e
sobretudo do modo de vida ocidental, com Vladimir Putin. Se atentarmos à
posição da Índia, da China e de vários países africanos, vemos que
Putin está a ganhar a guerra diplomática, mesmo não tendo tido
ultimamente grandes progressos territoriais na guerra. Por mais que nos
custe aceitar é fácil compreender que a esmagadora maioria da população
mundial está do lado de Putin.
A
inflação, a guerra, a subida das taxas de juro, e as possíveis
irregularidades, para não dizer cortes, de fornecimento de gás por parte
da Rússia no próximo inverno, têm efeitos cada vez maiores nas
democracia liberais ocidentais. Pela simples razão que nestas a
liberdade de expressão, de opinião, de associação, de greve, existe. O
descontentamento provocado quer pelas condições económicas agravadas (só
agora as subidas das taxas de juro se começarão a fazer sentir nas
famílias e empresas) quer pela guerra, geram uma instabilidade social e
crises políticas, como a que estamos a assistir agora em Itália. Tal não
acontece nos regimes autoritários em que este descontentamento, no
curto prazo, é reprimido e suprimido. A aposta de Putin é que haja uma
erosão da unidade ocidental e que casos como os de Itália proliferem.
Ainda agora a proposta da Comissão Europeia de redução de consumo de gás
de 15%, para proteger de eventual corte de gás da Rússia, dividiu os
países da União Europeia. A China, vai observando o que se passa na
Ucrânia com um olho em Taiwan. O que vier a ser o resultado desta guerra
não deixará de ser lido por Pequim. E é também por isso que quer os
ucranianos, por causa dos seus vizinhos russos, quer sobretudo as
democracias ocidentais, por causa de todos os regimes autocráticos com
quem implicitamente competem, não têm outra solução que seja manter a
resistência e as sanções esperando que o regime russo soçobre. O inverno
aproxima-se, e a questão energética manter-se-á no topo da agenda e
será crítica. A inflação, trouxe como resposta tardia por parte do BCE a
subida acentuada das taxas de juro, que parece ter sido a moeda de
troca que os países “frugais” e falcões na politica monetária (Alemanha,
Holanda,..) exigiram para que os países “pombas” e com elevadas dívidas
(Itália, Grécia, Portugal…) pudessem ter o novo “mecanismo de proteção
de transmissão” da politica monetária. Este novo mecanismo pretende
evitar que os diferenciais entre os juros dos títulos da dívida dos
países mais endividados e os alemães sejam excessivos. No fundo trata-se
de evitar a fragmentação da zona euro como aconteceu em 2011 e que
levou países como a Grécia e Portugal a resgates por não se conseguirem
financiar nos mercados. Agora, na linha da frente está a Itália, que com
esta crise, vai ter certamente, e já está a ter, reflexos nas suas
condições de financiamento. Entrámos numa nova era de atuação do BCE,
que ainda não sabemos muito bem como se processará. O que são spreads
“excessivos” em relação aos diferenciais nos fundamentais de duas
economias? A única coisa que sabemos é que a atuação do BCE será mais
discricionária e mais política. Não sabemos ainda se passará o crivo do
Tribunal Constitucional alemão. Obviamente que Portugal beneficia da
existência deste novo instrumento, mesmo que nunca viesse a ser
utilizado. A Itália beneficiará bastante mais, porque como temos
aprendido na história da União Europeia, o tratamento dado aos grandes
países é bastante mais benéfico do que o dado aos pequenos ou médios
como Portugal.
Em
relação ao grande desfecho da crise em que estamos imersos é cedo para
fazer prognósticos. As decisões a tomar pelas democracias europeias (as
sanções, a redução do consumo de gás, o novo mecanismo de transmissão),
exigem morosos e difíceis diálogos e consensos. Às autocracias basta a
decisão do chefe, ou líder supremo, e o medo dos seus súbditos. É uma
competição desigual que mostra as vulnerabilidades das democracias face
aos regimes autoritários, mas que temos a obrigação e a responsabilidade
de vencer.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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