Olavo de Carvalho no show da banda Los Hermanos: até hoje não sei direito por que escrevi aquilo. Nem entendi a bronca. Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
“Grande
- se não maior - prova da qualidade da música do Los Hermanos foi a
presença do mítico e sempre polêmico Olavo de Carvalho no show da banda,
no Canecão, na última sexta-feira. No meio de menininhas de saias
plissadas, pit-boys tatuados, surfistas com parafina no cabelo,
quarentões de bermuda e até um ou outro punk de boutique, lá estava o
filósofo e caçador de comunistas. Quando o vi pulando ao som de
"Pierrô", já no bis, não pude acreditar. Como num desenho animado,
esfreguei os olhos para ter certeza: era mesmo ele, Olavo de Carvalho.
Vencendo minha timidez e também a resistência dos fãs que se
acotovelavam na pista central, me aproximei e me apresentei”.
Assim
começa a crônica “Olavo de Carvalho: o roqueiro improvável”, que
escrevi aos 25 anos de idade. E para a qual não darei link porque não
faço nenhuma questão de ser confundido com o que fui um dia. Não que eu
me envergonhe do que escrevi. Digo, estilisticamente há partes que me
causam uma repulsa até física. Fora isso, o texto está por aí a quem
quiser acessá-lo e lê-lo pelo que ele é: só uma bobagem produzida por
alguém que, naquele momento da vida, acordava desesperado por uma
simples razão para continuar escrevendo.
Ao
longo dos últimos 19 anos (caramba, como estou velho!), muita gente me
perguntou por que escrevi a crônica. Uns fizeram a pergunta
educadamente, com curiosidade sincera ou etílica. A maioria, contudo, me
perguntou isso de dedo em riste, me ensopando com uma tempestade de
perdigotos raivosos. Como pude ter a ousadia, a coragem, o desplante
(adoro essa palavra) de colocar Olavo de Carvalho num show da banda Los
Hermanos?! O que eu pretendia com isso?!
Correndo
o risco de ser chamado de um ególatra autorreferente (corre lá para a
caixa de comentários e escreve “Seu ególatra autorreferente!”), achei
por bem, hoje, reler o texto, com o qual não tenho contato há pelo menos
uma década, e responder a essas perguntas para as quais, na verdade,
nunca encontrei uma resposta satisfatória. Digo, para a pergunta sobre a
ousadia, coragem e desplante (já disse que adoro essa palavra?) até
tenho uma explicação que meus advogados consideram razoáveis: eu era um
piazote de 25 anos, estupidamente sóbrio e embalando pensamentos a esmo
ao som de “Pierrô” no meio de um show lotado numa casa noturna do Rio de
Janeiro. Até cabelos eu tinha! E, naquela época, se havia algo que não
me faltava era ousadia.
Cheio
de sonhos e planos (aqueles mais do que estes), em 2003 larguei tudo
(que na realidade era bem pouco, quase nada mesmo) para morar no Rio de
Janeiro. Eu era invencível. Longe de ser indiferente a mim, o Universo
me prestaria todos os favores que eu requisitasse. Nada era impossível.
Inclusive escrever uma crônica que colocava Olavo de Carvalho no meio de
um show de uma banda legalzinha, vai, mas não bota pra tocar, não! E,
pensando bem agora, a crônica é muito mais sobre o show, a banda, as
músicas e o rock. Ou talvez eu não saiba mais interpretar meus próprios
textos, o que é sempre uma possibilidade.
Já
sobre as pretensões é mais difícil responder. Hoje sou alguém muito
muito muito muito diferente daquele moleque-que-se-achava-homem. (Hoje
sou um homem-que-se-acha-moleque). Mas, levando em consideração que
continuo gostando de fazer ficção usando personagens contemporâneos
(talvez por um defeito de imaginação até), diria que foi justamente isso
o que me levou a escrever o texto que, combinemos, não chega a ser um
clássico da literatura infanto-juvenil. Ou seja, minha pretensão era
simplesmente a de tornar fictício o mundo real.
E,
se você notar pelo vocabulário, era ainda uma forma de demonstrar meu
descontentamento com o que via como uma “paranoia”. Perdão pela minha
estupidez imberbe. Sem falar que, aqui e ali, eu meio que declaro
independência de um clube que, fui saber tempos mais tarde, não me
queria como sócio. Por fim, acredito que eu quisesse deixar registrado o
quanto estava com a razão só para depois poder jogar na cara: “eu
avisei! eu avisei!”. Como já dizia alguém, acho que Nelson Rodrigues, a
juventude é uma doença que felizmente o tempo se encarrega de curar.
A
crônica não me trouxe absolutamente nada de bom. De ruim, somente os
perdigotos. Em termos de visibilidade, repercussão, influência ou sei lá
o que, o máximo que ela me rendeu foi uma resposta do próprio Olavo de
Carvalho. Que se irritou (por quê?!) com a crônica. Como diz um sábio
(eu mesmo), é a tal coisa: às vezes a gente escreve sorrindo o que os
outros leem rosnando. E eu sempre escrevo sorrindo. Se bem que naquela
época… De qualquer modo, diz a nota de Olavo de Carvalho:
“Apelo
humanitário: Há anos esse tal de Paulo Polzonoff Jr., que nunca vi mais
gordo mas ao qual me recordo vagamente de ter dado uma entrevista por
e-mail após muitas solicitações, vem mendigando um pouco da minha
atenção, como se não tivesse outra razão de viver senão a esperança de
tornar-se íntimo de Olavo de Carvalho. Como nunca foi atendido, a
carência deve ter chegado ao limite do insuportável, de modo que o
infeliz começou a buscar satisfação em sonhos, de maneira
inequivocamente masturbatória, acreditando ver-me por toda parte onde
nunca estive e até -- ó momento de glória! ó êxtase sublime! --
conversar comigo. Por uma simples questão de humanidade, peço que me
forneçam o endereço do rapaz, para que eu possa lhe enviar um autógrafo,
o qual ele poderá estampar em camiseta, ostentando-o pelas ruas e
alcançando assim o alívio de seus padecimentos. Se o [site que publicou
originalmente o texto] aceitar colaborar comigo nesse empreendimento
humanitário, teremos com isso dado início à campanha Complexo de
Inferioridade Zero, que poderá estender seus benefícios a milhões de
polzonoffinhos Brasil afora. Tudo pelo social, caramba!”
Olavo
de Carvalho nunca me mandou o autógrafo que eu estamparia na camiseta e
ostentaria pelas ruas como prova de que havia realizado o desejo de me
tornar íntimo dele. Uma pena. Teria sido legalzão participar das
manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff com a camiseta,
ostentando o autógrafo de Olavo de Carvalho. Talvez eu tivesse até
encontrado uma namorada assim e… Não me dá corda que já começo a
inventar história. O fato é que o autógrafo não veio, duas sacolejantes
décadas se passaram e eu, ainda bem!, não sou mais o que fui um dia. E
agora não dá mais tempo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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